Há
muito ignorada por uma minoria privilegiada, formada por políticos irresponsáveis
e pretensiosos, a voz do povo só se fazia ouvir em estádios de futebol, folias
carnavalescas, shows musicais e outros eventos de lazer. De um momento para
outro, ela transformou-se no grito de guerra de uma gigantesca massa popular rebelada
contra o descaso e as bandalheiras oficiais de que tem sido vítima.
A
pauta de reclamações e reivindicações é extensa. Começou com o alto preço das passagens
de ônibus, mas logo se estendeu ao aumento do custo de vida, à má qualidade da
educação, saúde e transportes, sem deixar de fora os gastos com a Copa das
Confederações, Copa do Mundo e Olimpíadas no Brasil.
Na
sua maioria jovens, os manifestantes hoje criticam qualquer coisa que lhes
pareça errada. O rol é tão grande e difuso, que, ao invés de ensejar respostas
concretas, às vezes abre espaço para as habituais promessas enganosas. Além
disso, não raro alguém é flagrado protestando contra algo que desconhece. Caso
daquele que portava um cartaz com dizeres desfavoráveis à PEC 37. Perguntado
sobre o que se tratava, disse não ter certeza, mas sabia que 37 era um preço muito
caro; tinha de baixar.
A mobilização,
entretanto, já rendeu alguns ganhos importantes.
Despertados de longo
e preguiçoso sono, políticos e autoridades começaram a se mexer.
De cara, muitos
aumentos nas tarifas de transporte urbano foram revogados.
Percebendo que a
bronca é pra valer, a Câmara Federal apressou-se em sepultar a Proposta de
Emenda Constitucional que restringia o poder de investigação do Ministério
Público, a famigerada PEC 37. Também votou o projeto que destina os royalties
do petróleo para educação (75%) e saúde (25%) e já trabalha pelo o fim do voto
secreto em certas cassações de mandatos.
Sob a mesma pressão
popular, o Senado desenterrou e aprovou o projeto de lei que torna hediondos os
crimes de corrupção ativa, passiva e concussão (extorsão praticada por servidor
público). E o presidente da Casa – ele mesmo, Renan Calheiros – garante outras
medidas moralizadoras.
Coincidentemente,
numa decisão inédita desde a Constituição vigente, o Supremo Tribunal Federal ignorou
recurso protelatório e determinou a prisão imediata do deputado Natan Donadom
(PMDB-RO), punido por formação de quadrilha e peculato. O fato provocou imediato
distúrbio metabólico nos mensaleiros condenados à cadeia, lacrando o que têm de
mais íntimo.
Enquanto isso, no
Planalto, a presidente Dilma Rousseff tirou do fundo do baú a ideia de reforma
política, que agora promete levar avante.
Pra completar o ciclo
de inusitadas atitudes, o ex-presidente Lula reuniu-se com jovens que lideram
movimentos sociais próximos de seu partido, para afirmar ser este o momento de “ir pra rua”.
Fica assim indisfarçável
o oportunismo de nossos políticos e governantes, que só agem na base da
pressão. Bastou o povo ir às ruas, para que eles se movimentassem.
Isso
faz lembrar uma frase chula que circula na internet, ensinando que "quando
a merda bate no queixo, todo mundo aprende a nadar". Irretocável!
* Jornal de Domingo
* Diáriodo Rio Doce
* NósRevista (Portugal)