quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

A UM PASSO DA MANJEDOURA

Por Etelmar Loureiro
            É inegável que, ao longo do tempo, o Natal vem se mostrando uma festa cada vez mais mercantilista, mais consumista e menos reflexiva.
Ficou de tal modo condicionada à troca de presentes e a tantos símbolos, que muitos pensam estar celebrando o aniversário de Papai Noel, não o nascer do Menino Jesus. Nessa onda, as tradições se perdem, desfazendo sonhos e fantasias.
Saudosa época em que carrinhos de madeira, bonecas de pano e outros brinquedos simples, às vezes produzidos por pais, avós ou tios, faziam a felicidade da garotada. Quando a ceia natalina, realizada quase só em família, era antecedida de uma prece de agradecimento. Tempo místico, no qual os sentimentos de solidariedade emergiam em toda a sua grandeza, como se quisessem pôr fim às desigualdades sociais, bem mais visíveis no período natalino.
Da forma como a modernidade avança, não será surpresa se, em futuro próximo, o bom velhinho pendurar seu tradicional uniforme vermelho, aposentar o velho trenó, liberar as já extenuadas renas e aparecer com um look de herói intergaláctico, distribuindo só presentes eletrônicos, em uma sofisticada nave espacial.
Ainda assim, o Natal continua sendo a mais emblemática e carismática das celebrações. Nas diversas partes do mundo, mobiliza pessoas de todas as idades, das mais humildes às mais sofisticadas. É fenômeno universal, sempre aguardado com ansiedade.
O clima de manjedoura se faz sentir logo no começo de outubro, com o surgimento dos primeiros anúncios comerciais, os primeiros “jingles” natalinos, e age como um vendaval que se fortalece enquanto avança de forma incontrolável, levando todos de roldão.
Quando menos se espera, o “christmas time” entra em cena, poderoso, sedutor e envolvente.
  Para milhões deadmiradores, abre-se a temporada de esperanças, de sonhos e ideais. Chega o tempo de agradecer a Deus, estender as mãos, pedir desculpas (hei, você aí, é consigo mesmo que estou falando!), perdoar, chorar ou sorrir, sem contrariar o coração. É tempo de amor, compreensão, tolerância, humildade e solidariedade. É tempo de família, de amigos e de abraços. É tempo de ser gente!
A rigor, o Natal é um dia como qualquer outro. A diferença é que ele oferece ao ser humano a chance de se render ao “me engana que eu gosto”. De acreditar, pelo menos uma vez por ano, que não há injustiças, não há violência, não há corrupção, não há fome, não há abandono, não há sofrimentos, nem angústias, nem desamor. Só felicidade e nada mais!
Sempre ouvi dizer que o melhor da festa esperar por ela. Acabei convencido disso. Chega a ser excitante a expectativa de um acontecimento que provoque ansiedade. Nisso o Natal é insuperável. Aguardá-lo, entretanto, requer tolerância, paciência e até preparo físico. São quase três meses de confraternizações, troca de presentes, amigos ocultos, cartinhas para Papai Noel, mobilizações e viagens em busca da companhia querida. Na reta de chegada as tensões se agigantam. A movimentação nas ruas, lojas, shoppings, aeroportos, rodoviárias, ferroviárias, bares e restaurantes atinge seu ponto máximo. Cada qual na sua, a hora é de presentear, festejar, brindar, abraçar e beijar. Tudo faz parte desse incrível espetáculo da vida.

A grande noite bate às portas; será do próximo domingo para segunda. Quem não curtiu a atual temporada ainda tem até lá para entrar no clima. Depois … só no ano que vem. Que sua expectativa seja correspondida, com um feliz Natal!

- Diário do Rio Doce - 21.12.2017

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

TRIBUTO À CORRUPÇÃO

Por Etelmar Loureiro

            Se houvesse no Brasil um concurso destinado a eleger a atividade criminosa que mais se destacasse durante o ano, a corrupção teria conquistado todos os troféus distribuídos nas 14 últimas edições.  Para dar chance ao tráfico de drogas, ao contrabando, à exploração sexual, à violência urbana, à compra e venda de votos, ou a qualquer outra prática ilícita, ela teria que participar do certame na condição de “hors concours”.
            Vale lembrar que, em 2016, um estudo divulgado pelo Fórum Econômico Mundial, na Suíça, apontou o Brasil como a quarta nação mais corrupta do planeta, atrás apenas do Chade, da Bolívia e da Venezuela.
            Inúmeras teorias tentam explicar esse fenômeno delituoso. Fala-se em complacência das leis; morosidade da Justiça; excesso de partidos, de ministérios, de estatais e de outros órgãos públicos; cumplicidade entre os poderes constituídos, afora outros, com justificada ênfase para a ganância e a desonestidade dos agentes públicos e privados mancomunados no processo.
            A corrupção não é causa, mas consequência dos erros e abusos cometidos no país. Difícil é diagnosticar todos eles. Alguns, porém, saltam aos olhos. As medidas provisórias (MPs) editadas pelo governo estão nesse rol.
            Desenterrada no último período revolucionário, a MP foi mantida na Constituição de 1988, para ser adotada pelo Executivo nos casos em que urgência e relevância se completem. Desde então, entretanto, ela se tornou um instrumento utilizado a bel-prazer, por todos os presidentes que sobrevieram ao regime militar. E, segundo a operaçujão Lava Jato, várias MPs teriam sido criminosamente elaboradas, ou alteradas, quando convertidas em lei, por pressão de empresas, mediante o pagamento de vultosas propinas. Nem por isso se cogita o seu fim.
            Outro grande responsável por essa depravação é o controvertido foro privilegiado. No Brasil, ele contempla cerca de 55.000 autoridades, quantidade da qual nenhum país se aproxima. O Congresso e a Justiça fingem querer extinguir, ou pelo menos limitar essa regalia, mas tudo caminha na base de “um passo à frente, outro atrás”.  Na forma como aqui se sustenta, esse foro não passa de refúgio para requintados criminosos, que nele se escondem até que a tormenta passe, ou que o seu delito prescreva.
            Houve no STF uma recente tentativa de concluir o julgamento em que se discute a restrição do foro privilegiado concedido a autoridades.
A questão começou a ser debatida em maio deste ano, quando o julgamento foi sobrestado, por pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. Agora, quando oito dos 11 ministros já haviam votado a favor da proposta, a discussão foi novamente interrompida, por outro pedido de vista, dessa feita formulado pelo ministro Dias Toffoli, que não tem prazo para devolver o processo. Diante de um placar tão majoritário, a inusitada decisão “pegou mal”, considerada claramente protelatória. Aliás, não só no STF, mas em outros tribunais, muitos pedidos de vista têm o único objetivo de obstruir importantes decisões do plenário.  Há casos que estão há mais de uma década à espera de definição, alguns deles com carga para ministros que nem mais estão na ativa.
Conclui-se, pois, que, se depender da pronta adoção de medidas saneadoras e corretivas, por conta dos detentores do poder, o Brasil terá que esperar muito, para se livrar dos males que corroem suas entranhas. Sempre que se quer eliminar falhas, reprimir falcatruas ou punir delinquentes graúdos, a má vontade, a prepotência e o corporativismo se sobrepõem à Justiça e ao anseio popular. Paira no ar a impressão de que, para os poderosos, mais convém premiar do que punir os atos de corrupção. Que eu esteja enganado!

- Revista "Mais Mais PERFIL" - dez/2017