Num país onde o tapete costuma ser utilizado
para encobrir erros, omissões e incompetências governamentais, chega a ser
alentador o fato de alguma autoridade admitir deficiências de determinado setor
público. Fica, quando nada, a ilusão de que, diagnosticada a conjuntura, medidas
corretivas serão finalmente adotadas.
Assim
poderiam ser interpretadas as recentes declarações do ministro da Justiça, José
Eduardo Cardozo, no sentido de que "temos um sistema prisional medieval,
que não só desrespeita os direitos humanos como também não possibilita a
reinserção". Sem rodeios, afirmou: "se fosse para cumprir muitos anos
na prisão, em alguns dos nossos presídios, eu preferiria morrer".
Retratando
uma dura e antiga realidade, o pronunciamento de Cardozo teve grande
repercussão. Estranhou-se, entretanto, sua coincidência com o momento em que vários
políticos e empresários brasileiros estão sendo julgados e condenados a longas
penas, por graves delitos cometidos.
No
Supremo Tribunal Federal (STF), onde o assunto provocou controvérsias, o
ministro Gilmar Mendes, com ar crítico, disse louvar as palavras do ministro da
Justiça, mas lamentou “que ele tenha
falado isso agora, porque esse é um problema desde sempre”.
Na mesma Corte, o oportunista
ministro Dias Toffoli se apegou à tese, para defender que os réus do “mensalão”
recebam multas maiores e menor tempo de prisão. A seu ver, eles apenas
cometeram desvios com intuito financeiro, sem atentar contra a democracia. “Era
o vil metal. Que se pague com o vil metal”, argumentou.
Daí
por que muitos enxergam no pronunciamento de Cardozo uma descabida – mas nem
por isso descartada – preparação de terreno para melhor hospedar os
“cumpanheiros” que estão a caminho do xadrez. Ainda bem que, nesse caso, bateria
de frente com o implacável ministro Joaquim Barbosa, relator do processo, para
quem os “mensaleiros” não terão direito a prisão especial, regalia a que só faz
jus quem esteja cumprindo prisão provisória.
Afora
isso, ao dizer que preferiria morrer a ficar preso por anos, o ministro estaria
dando a entender que, para os criminosos, melhor seria trocar tiros com a
polícia, até a morte, do que se submeter às agruras do cárcere prolongado.
Sem
falar na possibilidade de estar estimulando revoltas em prisões de todo o país,
promovidas por prisioneiros que se sentirão injustiçados e no direito de cobrar
melhores condições para cumprir suas penas.
Pelo
visto, Cardozo perdeu uma boa oportunidade de ficar calado.
Melhor
teria sido ele visitar hospitais públicos, escolas oficiais e rodovias nacionais,
para ver que superlotação, precariedade, degradação, insegurança, abandono e outros
absurdos não são privilégios dos presídios. A diferença é que a maioria dos
brasileiros que ali sofrem e até morrem não têm escolha e são de boa índole.
Certamente,
Sua Excelência mudaria o discurso, para dizer aos contraventores que, a morrer
ou ser confinado no presídio, é preferível respeitar a lei. Bem mais sensato!