domingo, 1 de janeiro de 2017

A ARTE DA PARTILHA
Por Etelmar Loureiro

            Dividir não é fácil. Onde quer que a tarefa se imponha, ela requer habilidade, bom senso e espírito de justiça.
            Nada a ver com a repartição de pães de que falam os cristãos, nem com a divisão de bolos de aniversários, tampouco com o rateio de queijos. Nesses casos, com menores interesses em jogo, a partilha é geralmente tranquila e bem aceita. Ainda assim, costuma surgir um chato que se considera injustiçado, reclamando que outros foram mais bem aquinhoados.
            Nos meios socioeconômicos, a coisa já muda de figura. O conflito de interesses é comum entre seus participantes, nas horas de demarcar áreas de atuação e de avaliar resultados. A ganância de uns sempre se confronta com a ambição de outros.
            Mas é no mundo político que tudo se complica, e muito!
            No afã de se elegerem, os políticos fazem qualquer acordo ou negócio, com quem quer que seja. Se bobear, até com o demônio! Por sua vez, também em busca de vitória, seus partidos estabelecem alianças sustentadas em compromissos a serem honrados, se o candidato da coligação for eleito.
No início, tudo parecia legítimo e salutar. A proliferação das legendas, entretanto, converteu essas confrarias em um imenso balcão de negócios, destinado a ganhar mais espaço nos horários políticos da mídia, além de assegurar nomeações para cargos de relevância em órgãos ou empresas públicas, afora outras benesses menos ortodoxas.
Ao longo do tempo, essas alianças têm sido determinantes na reversão de cenários políticos. Basta recordar que, enquanto agiu sozinho, o PT jamais ganhou eleições. Para eleger Lula, bastou se aliar a uma legenda de extrema direita, o Partido Liberal, do já falecido senador José de Alencar. Da mesma forma, para colocar Dilma Rousseff no Planalto, não precisou mais do que se unir ao PMDB. E se manteve no poder, por longos 13 anos, graças a outras alianças esdrúxulas, que sempre se mantiveram na base do “é dando que se recebe”.
            Essa autêntica orgia política tornou-se corriqueira, tanto nas eleições majoritárias, quanto nas proporcionais. Expõe o comportamento fisiologista de legendas que se dispõem a apoiar qualquer chapa, independentemente de se alinharem em torno de ideologias ou programas, com o único objetivo de obter vantagens. Um pernicioso troca-troca de interesses, operado em clima de explícita promiscuidade.
            Tal fenômeno poderá complicar a vida dos vencedores das últimas eleições municipais, em torno dos quais se uniu um amontoado de partidos que perderam o rumo após a derrocada do PT. Em Valadares, por exemplo, nada menos de 24 legendas se juntaram para eleger o novo prefeito, André Merlo, fato inédito na história política da cidade. Uns mais, outros menos, todos devem estar de olho, quando nada, numa boa fatia do bolo que ajudaram a confeitar.
            Há fortes indícios de que essas famigeradas coligações estejam com os dias contados. Uma PEC que prevê o seu fim eleitoral, já aprovada pelo Senado, depende apenas de ser referendada pela Câmara Federal.
            Enquanto isso não acontece, é bom que os atuais e futuros administradores públicos se conscientizem de que os tempos mudaram. Na atualidade, mais do que antes, é preciso que eles consigam harmonizar o dividir com o multiplicar. É fundamental que só repartam seus mandatos com auxiliares e parceiros eficazes, eficientes, sérios e corretos, capazes de contribuir para a multiplicação de resultados. Nada de se amarrar com amigos, parentes, apadrinhados e aliados oportunistas, que só causam transtornos e aborrecimentos.
Trocando em miúdos, compartilhar o poder, com prudência e sabedoria, é multiplicar as chances de nunca compartilhar a cela. Uma arte, com certeza!

- Revista "Mais Mais PERFIL" - dezembro/2017