quinta-feira, 7 de novembro de 2019

TRÊS DÉCADAS SEM O MURO DA VERGONHA


Por Etelmar Loureiro

- Diário do Rio Doce – 07.11.2019

Desde a última segunda-feira, a capital da Alemanha está em festa. Pelas expectativas, mais de um milhão de convidados se unirão aos cerca de quatro milhões de berlinenses, para, no próximo sábado, 09/11, festejar os 30 anos da queda do Muro de Berlim. O desmoronar do símbolo da Guerra Fria, uma abominável e irracional barreira de concreto, com mais de 100 quilômetros de extensão, que entre 1961 e 1989 dividiu Berlim em duas partes.
 Seu objetivo era deter o elevado fluxo de gente que emigrava para a parte ocidental de Berlim, onde uma forte retomada econômica pós-guerra oferecia melhores chances de trabalho e negócios.
 Mas o muro era um trambolho arquitetônico, símbolo da insensibilidade comunista. Verdadeira catástrofe ideológica causada pela Guerra Fria em que os Estados Unidos e a União Soviética disputavam a hegemonia mundial.
 Começou a ser erguido na madrugada de 13 de agosto de 1961, logo provocando a separação de famílias, amigos e de toda uma nação por quase três décadas.
 Nos 28 anos em que se manteve de pé, causou sofrimentos e tragédias que jamais se apagarão da memória coletiva.
Entre os sensatos, ninguém supunha que aquele paredão fosse durar eternamente. Faltava-lhe sustentação ideológica, justificativa relevante, algo que lhe conferisse o status de imprescindível e digno de se alojar na lembrança positiva da humanidade. Por outro lado, nem os mais otimistas imaginavam que o monstrengo seria derrubado antes de 50 ou 100 anos.
  Sua queda, em 9 de novembro de 1989, marcou o fim de um longo período de hostilidades e de disputas econômicas, filosóficas e militares, entre capitalistas e marxistas.
            Na verdade, o também chamado “muro da vergonha” não caiu da noite para o dia. Segundo Margaret Tutwiler, à época porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, isso só aconteceu graças a um “processo longo e complexo”, de diversas negociações diplomáticas.
            A história também registra que um dos fatores que muito contribuíram para o acontecimento foi um pronunciamento de Ronald Reagan no dia 12 de junho de 1987. Naquela ocasião, o então presidente dos EEUU se dirigiu a Mikhail Gorbachev, o último líder da URSS, e disse: “senhor Gorbachev, derrube esse muro”.
                E assim se passaram três décadas de um fato que, pelas suas características, e, sobretudo, pela forma pacífica e tranquila como aconteceu, assombrou o mundo. Sem qualquer dúvida, constitui um dos acontecimentos mais extraordinários da história, indutor de grandes mudanças no cenário mundial.
            Entretanto, embora exemplar e auspicioso, esse episódio não significou o fim das demais barreiras existentes, nem desestimulou a construção de outras tantas. Pelo contrário, a prática tornou-se recorrente, típica do egocentrismo em que vivemos.
           Nos quatro cantos do mundo os muros são mantidos ou proliferam, aos montões, aprofundando o abismo entre negros e brancos, ricos e pobres, cultos e ignorantes, héteros e homossexuais, democratas e socialistas, liberais e conservadores, cristãos e islâmicos, e outras polarizações.
Velhos conhecidos, eles sempre existiram, separando pessoas e contribuindo para a legitimação de poderes presumidos. O passar do tempo apenas fez com que se tornassem cada vez mais sólidos, densos, espaçosos e intransponíveis.
Os mais difíceis de derrubar nem sempre são físicos e visíveis. Piores são os imateriais, de natureza política, econômica, social, étnica, moral, intelectual, religiosa e outras ditadas por paradigmas e regras subjetivas.
Assim como o Muro de Berlim, uns e outros devem ser exterminados, a bem da humanidade.           
            Em condições normais, a função precípua dos muros é proteger imóveis. Afora isso, eles só servem para refúgio de políticos indecisos, ou para o “pulo de obstáculo” no qual se exercitam alguns casados. Adeptos que não raro se complicam.