domingo, 23 de fevereiro de 2014

DESAGRAVO À CORRUPÇÃO

            Na classificação natural, ela é a fêmea do boi, quadrúpede nem sempre dócil, mas de modo geral simpática, que produz esterco, leite e carne.
            Está presente nos mais diversos textos e contextos da história, a começar pelo Presépio de Natal, onde é figurinha carimbada.
            Quando tudo dá errado, e não há mais conserto, dizem que a coitada foi pro brejo.
            Gorda ou magra é a quem os analistas recorrem para caracterizar os bons e os maus tempos da economia.
            Para muitos, é sinônimo de mulher vagabunda, vadia, pilantra, sem-vergonha.
 Na Índia, entretanto, é objeto de devoção, considerada mais “pura” do que os brâmanes (sacerdotes) pertencentes à alta casta indiana.
            Vaca e vaquinha são abundantes no Brasil. Mas nem sempre são quadrúpedes; há analogias.
            O brasileiro se acostumou a “fazer uma vaca” ou “fazer uma vaquinha”. É a forma de arrecadar dinheiro de várias pessoas, para dividir determinada despesa: uma viagem em grupo; um conserto no carro de que todos se utilizam; a cirurgia de um amigo necessitado; os estudos de uma criança pobre; um jantar de confraternização; um presente coletivo; etcetera.
            Fala-se que a moda surgiu na década de 1920, envolvendo futebol e jogo do bicho. No Rio de Janeiro daquela época, os jogadores não tinham salário fixo. Os torcedores juntavam dinheiro e depois os gratificavam, conforme o resultado da partida.
            O valor distribuído coincidia com os números do jogo do bicho: 5, número do cachorro, correspondia a 5 mil réis (prêmio por empate); 10, número do coelho, equivalia a 10 mil réis (vitória normal); 25, número da vaca, valia 25 mil réis, o maior “bicho” (vitória contra adversário mais forte ou conquista de algum título). Essa coleta junto à torcida deu origem à famosa "vaquinha".
            Vacas ou vaquinhas são, enfim, meios de premiar ou solidarizar-se com alguém, em circunstâncias lícitas e meritórias.            Requerem muito critério na sua execução, para evitar injustiças e efeitos indesejáveis.
            Os agentes financeiros, por exemplo, costumam proibir que perdas de Caixa sejam rateadas entre os funcionários do Setor. Isso para impedir que algum deles simule um prejuízo e o divida com os demais.
            Compreende-se, pois, a decepção da grande maioria dos brasileiros, diante das vaquinhas em andamento, para pagar as milionárias multas impostas aos mensaleiros condenados pelo Supremo Tribunal Federal.
            O ministro Gilmar Mendes, membro da Corte, não hesitou em afirmar que isso “não passa de uma tentativa de desqualificar a decisão judicial que os condenou e que a iniciativa terminou se transformando em um processo indevido de ‘transferência de penas’’’.
            Independentemente dessa opinião abalizada, o entendimento predominante é de que essas vaquinhas significaram algumas deploráveis posturas dos que a elas aderiram: optaram por prestigiar os autores, em detrimento das vítimas de grandes bandalheiras; deram sinal verde para que outros pratiquem as mesmas falcatruas, certos de que pelo menos as consequências financeiras de seus erros serão bancadas pelos “companheiros”; preferiram desagravar a corrupção, a valorizar a Suprema Corte, guardiã da Constituição Federal.
            Não são solidários com os criminosos, são seus cúmplices.

 

- Jornal de Domingo
- Diário do Rio Doce