domingo, 22 de dezembro de 2013

EFEITO ORLOFF

                Nos muitos anos que moramos em Brasília, eu e minha família enfrentamos desafios corriqueiros, mas nada fáceis de contornar.
            Um deles foi a distância. Nem tanto a da capital até Valadares, viajada com o entusiasmo dos que retornavam às origens. Difícil era fazer o sentido contrário, olhando pelo retrovisor coisas boas e muita gente querida. São cerca de 1000 quilômetros difíceis de encarar, sobretudo naquela época, pilotando veículos sem direção hidráulica, ar condicionado, kit multimídia e outros breguetes. Percurso estressante, com retas intermináveis e trechos de alto risco. Mas o jeito era pôr o carro na estrada e acelerar, rezando pra chegar.
            Durante esse tempo, a saudade foi grande e inseparável companheira. Sábia, dedicada e persistente, nunca aborreceu. Pelo contrário, foi responsável por manter vivas importantes recordações.
            Distância e lembrança instigam o desejo de reencontrar alguém ou alguma coisa.
            Nosso foco eram os pais, irmãos, outros familiares, amigos e cenários que são partes da gente.
            Tudo acontecia numa boa. Queríamos vir, eles queriam que viéssemos. O porém era a longa viagem, sempre feita sob rígidas recomendações de cautela. As mesmas hoje repassadas ao filho Rodney, que planeja vir de Brasília, para curtir conosco o réveillon, trazendo esposa e filha. Os pais têm a estranha mania de se preocuparem com a segurança de suas crias, sobretudo quando os netos estão juntos.
            Entre idas e vindas, num belo dia, eu e Marlene voltamos pra ficar. Presos a compromissos, os filhos permaneceram na sua.  Agora somos nós cá, eles lá, cada qual no seu CEP.
            O tempo passou e a carruagem andou: pais e mães nos deixaram, um irmão se foi, e alguns amigos também. Mas outros se juntaram, e por sorte temos com quem dividir emoções.
            Difíceis são “aquelas” ocasiões especiais. As que misturam agito, cachorro latindo, crianças correndo pela casa, apertos de mãos e afagos em família. Tudo a ver com o Natal. Não dá pra ficar cada um no seu canto. As redes sociais permitem o tête-à-tête virtual, não o frisson do corpo a corpo.
            Neste ano, nossa festa tende a ser meio borocoxô. Por mais que haja familiares e amigos com quem confraternizar, já sentimos a falta dos “meninos”. Sobrou-nos a difícil tarefa de segurar o vazio que outrora sufocava nossos pais, quando, esperando na janela, convenciam-se de que não iríamos chegar; ficavam a ver navios.
A ficha cai e revela que a vida é uma sucessão sucessiva de sucessões sucessivas.  Tese “sub judice”, inspirada no infalível “efeito Orloff”.
É só um papo inusitado. Nada além de fossa natalina, sinalizando que é hora de pegada, de estender a mão e abraçar apertado. Tempo de saudade e de quero colo.
 
           Feliz Natal, sem medo de chorar!