Por Etelmar Loureiro
É
provável, e até certo ponto compreensível, que os valadarenses das gerações mais
recentes pouco se lembrem do padre José Maria Pires. Mas os remanescentes dos
que aqui viveram entre 1945 e 1955, não importa onde estejam, certamente
guardam muitas e boas recordações dessa fantástica figura, que em Governador
Valadares deixou um legado de simpatia, humildade e amor ao próximo, sobretudo aos
mais humildes. Era também emérito e competente educador, talento revelado à
frente do Ginásio Ibituruna.
Naquela
época, em sua peregrinação pastoral, padre Zé Maria, como popularmente aqui o
chamavam, era sempre visto de batina preta, pedalando sua bicicleta pelas ruas ainda
empoeiradas da cidade, distribuindo sorrisos e acenos. Parava para dar
santinhos a adultos e crianças, para papear com os moradores que outrora se
sentavam nas calçadas residenciais, ou para auxiliar os que estivessem desamparados
nas vias públicas.
A maneira
lúcida, inteligente e equilibrada de conciliar os ensinamentos religiosos com
as realidades do mundo, aliada à ótima oratória e a uma eximia forma de se comunicar,
faziam dele um sábio conselheiro. As missas que celebrava eram repletas de fiéis
ávidos pelos seus sermões.
A
última demonstração de apreço para com Valadares ele deu recentemente, quando, em
Belo Horizonte, já com 98 anos, rezou a missa de sétimo dia por alma do
valadarense e ex-deputado estadual Matosinhos de Castro Pinto, ilustre filho de
tradicional família local, da qual era muito amigo. Foi dele a homilia que,
como sempre, a todos sensibilizou.
Padre
Zé Maria nasceu aos 15.11.1919, em Córregos, Conceição do Mato Dentro (MG), onde,
com seus pais e nove irmãos, viveu a infância e parte da adolescência. Além do
que fez por Valadares, sua biografia mostra que ele se desincumbiu de várias
outras nobres missões, antes ser nomeado arcebispo da Paraíba, condição em que
se manteve por quase três décadas.
Oriundo
de uma área carente do Vale do Jequitinhonha, enfrentou muito preconceito, por
ser mulato e de origem social humilde. Sua história, entretanto, é repleta de
fatos que, por mérito e justiça, premiaram a grandiosidade de seu jeito de ser.
Teve momentos de convivência com cinco papas, foi companheiro de infância de
JK, contemporâneo e amigo de dom Paulo Evaristo Arns, de dom Ivo Lorscheiter,
de dom Aloísio Lorscheider e de outras tantas figuras que se opuseram aos
governos militares. Marcante foi sua amizade fraterna com dom Helder Câmara,
arcebispo emérito de Olinda e Recife, que, por coincidência, também faleceu num
27 de agosto (1999).
O
escritor Roberto Ribeiro conta que o codinome Dom Pelé surgiu por volta de
1962, tempo de Copa do Mundo, quando o craque Pelé, no auge da fama, marcava
gols em profusão, jogo após jogo. Nessa ocasião, um encontro de bispos acontecia
em Curitiba. Reunido o plenário, faltavam o mulato dom José Maria, de Araçuaí,
e o gordo dom José Vicente Távora, de Aracaju, atrasados, por algum motivo. Quando
os retardatários apareceram, um bispo brincalhão exclamou: "Agora podemos
começar a reunião. Finalmente, estão chegando o Pelé e o Feola!” Nem por isso o
bispo dom Vicente tornou-se dom Feola. Mas dom José ganhou o carinhoso apelido
de dom Pelé, e assim passou a ser chamado pelos colegas, nos demais encontros
da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil.
Na nota
que emitiu sobre a morte de José Maria Pires, a CNBB enfatizou que “a
fidelidade à Igreja e a corajosa posição em favor dos mais desamparados sempre
marcaram passo a passo sua caminhada”.
Como
a eternidade não espera, Dom Pelé foi a seu encontro, no último domingo, 27, na
capital mineira, onde tratava de uma pneumonia. Bispo mais idoso do Brasil,
pode ter achado que 98 anos de vida estavam de bom tamanho.
Partiu,
deixando, para quem quiser, a ostentação, as vaidades, os caprichos, o egoísmo,
a ganância e os bens materiais, pelos quais nunca se deixou seduzir. Foi de
mãos vazias, como em vida as manteve.
No
imaginário coração espiritual, certamente levou a intenção de interceder pelos
humildes, os pobres, os enfermos, os oprimidos e todos os infelizes que o
ajudaram cumprir com brilhantismo a sua missão terrestre.
Carismático,
o padre José Maria Pires tinha o dom de ter dons, e o exerceu na sua plenitude.
Para
nós, seus eternos e incontáveis admiradores, deixou preciosas lições, valiosos
ensinamentos e uma imensa saudade, que dói.
- Diário do Rio Doce - 31.08.2017