domingo, 12 de abril de 2015

PADRE JOÃO VERBEEK - Um holandês de coração valadaense


               No relacionamento homem/comunidade, a interação costuma ser tanta, que não sobra margem para análises isoladas. É a origem das famosas “histórias que se confundem”, do que JK e Brasília são ótimo exemplo.
            Sem fugir à regra, a cidade de Governador Valadares coleciona “chamegos” e parcerias antológicas. Sua biografia inclui bastante gente com quem se envolveu intensamente, a ponto de ambas se tornarem “um só corpo e uma só alma”. Pessoas que vestiram, valorizaram e suaram a camisa valadarense, como se fosse a própria pele.
            É o caso do padre João Verbeek, o holandês que aqui chegou em meados do século passado, na plenitude de seus 30 anos, acompanhado pelos conterrâneos e também sacerdotes Antônio Goolsens e Teodoro Grond, todos da Congregação do Espírito Santo.
            Em janeiro de 1951, ele assumiu e logo se tornou vigário da Paróquia de Santo Antônio, a única existente na cidade.
            Presença marcante, chamava atenção, não apenas por sua avantajada estrutura física, mas pela forma simpática e descontraída de se relacionar com a comunidade. Nem as dificuldades de idiomas atrapalhavam essa sinergia.
Naquele tempo em que os padres só se apresentavam de batinas, ora pretas, ora brancas, ele circulava pela cidade, pedalando uma humilde bicicleta, enquanto distribuía sorrisos, acenos e santinhos que cativavam paroquianos de todas as idades. Apesar do olhar severo, tinha um sorriso aberto e cativante, sobretudo para as crianças. Possuía o hábito de apertar forte a mão daqueles que cumprimentava, assim como forte era o tom de sua voz, nas pregações. 
            Na condição de vigário, recebeu da Arquidiocese de Diamantina a incumbência de aparelhar Valadares para acolher a futura diocese. A agenda incluía aprontar o palácio episcopal, a catedral e o seminário diocesano, além de angariar fundos que ajudassem na execução do plano. Paralelamente, deveriam ser construídas a igreja e a casa paroquial do bairro de Lourdes, para onde iriam os padres espiritanos, depois de instalado o novo bispado.
            Dinâmico e incansável, não se limitou a essas tarefas, que “tirou de letra”. Executou diversas outras, todas relevantes. E o fez sem comprometer a qualidade do trabalho pastoral, que sempre priorizou.
            De cara, desmistificou a ideia de que padre só constrói igrejas e obras do gênero. Edificou o Cine Pio XII, na esquina das ruas Israel Pinheiro e Arthur Bernardes, que, por muito tempo, foi confortável e excelente fonte de entretenimento para os valadarenses. Até uma missa dominical “das crianças” ali era celebrada.
            Na sequência, vieram a Maternidade Dom Serafim; o Hospital Menino Jesus; o edifício destinado a uma escola profissionalizante, mais tarde utilizado pelo Minas Instituto de Tecnologia (MIT); além de várias capelas e escolas. Sem contar a primeira Igreja de Lourdes (hoje Capela do Espírito santo) e a Casa Paroquial, ambas na Rua Paraná, o Clube Metrópole e a Matriz de Nossa Senhora de Lourdes, um dos mais belos templos da cidade.
Não é tudo o que fez, mas são obras que mostram a grandiosidade e a importância do legado que deixou para Valadares. Algo sem precedentes, em se tratando de alguém que não tinha envolvimentos políticos ou empresariais.
            Realizador por excelência, carismático e muito admirado, não raro era assediado para filiar-se a agremiações partidárias e, com grande chance de vitória, candidatar-se a prefeito municipal. Não falta quem diga que seu prestígio chegava a incomodar e a enciumar certos “caciques” da época. Ele, entretanto, consciente de seus deveres e fiel à sua vocação, não se deixou seduzir.
            Seu desapego ao sucesso ficou bem evidente quando, em 1968, abriu mão das conquistas valadarenses, fez as malas e mudou-se para a paróquia de Anápolis (GO).  Ainda passou algum tempo em Matozinhos (MG), antes de regressar à Holanda, pensando em lá viver como padre aposentado. Não conseguiu. A saudade o trouxe de volta ao Brasil, para rever e despedir-se do povo que aprendeu a amar.
            Já deficiente auditivo, e locomovendo-se com dificuldade, retornou de vez à Holanda, onde, no seu convento de origem, com 83 anos, faleceu sentado numa poltrona e lendo jornal. O calendário marcava 24 de outubro de 2004.
            Em tributo ao muito que fez por Valadares, o viaduto sobre a linha férrea da Vale, ligando o Bairro Altinópolis e adjacências,  recebeu seu nome. É pouco, comparado aos seus méritos. Mas, pelo menos, faz lembrar a forma obstinada com que lutava para encurtar caminhos e aproximar pessoas.
            Em meio ao egoísmo, à individualidade e à indiferença que hoje proliferam, poucos têm a coragem de abandonar o aconchego familiar, a tranquilidade e a proteção da terra natal, para sair mundo afora, ajudando o próximo. Só os idealistas, desprendidos e solidários se dispõem a tanto. Eles se impõem metas e missões que colocam acima de obstáculos. João Verbeek fez disso o seu postulado.

            Nas quase duas décadas de convivência, a sintonia entre ele e Valadares foi perfeita.  Juntos, escreveram, a quatro mãos, memoráveis capítulos da epopeia local. Tinham características distintas, mas os objetivos se complementavam: uma cidade buscando ajuda e um sacerdote ávido por ajudar. Só podia dar certo. E deu!

(Texto para a revista "Suindara" - edição de março/2015 - da Academia Valadarense de Letras)