quinta-feira, 21 de novembro de 2019

CONSCIÊNCIA DISTORCIDA


Por Etelmar Loureiro

- Diário do Rio Doce – 21.11.2019

          Na definição da Wikpedia, “consciência é uma qualidade psíquica, isto é, que pertence à esfera da psique humana, por isso diz-se também que ela é um atributo do espírito, da mente, ou do pensamento humano”.
         Sob esse conceito, a consciência se nivela ao amor, o ódio, a alegria, a tristeza, o tesão, a frigidez, a dor, o prazer, a admiração, a aversão, a fé, a desilusão e tantos outros sentimentos que não têm cor, têm intensidade.
           Difícil, pois, atribuir matiz à consciência que se ocupa dos afrodescendentes.
         Tudo bem que sejam homenageados os que aqui chegaram e trabalharam para consolidar a nação brasileira. Heróis e vilões indígenas, portugueses, africanos, espanhóis, franceses e de outras origens que contribuíram para as conquistas hoje festejadas. Não há uma bandeira predominante. Maximizar ou minimizar a participação de quem quer que seja seria negar a teoria que valoriza o esforço conjunto.
          Distingui-los pelo físico, pela inteligência, pela religião, pela cor ou por qualquer outra característica própria é incorrer em imperdoável discriminação. Uma visão distorcida, injusta e contrária à tese de igualdade humana.
          O diplomata Paulo Roberto de Almeida, Ph.D. em Ciências Sociais, em seu blog “Diplomatizzando”, disse achar “curiosa essa insistência na "consciência" negra, na "dignidade" negra, em qualquer coisa "negra", ou afrodescendente e seus equivalentes funcionais, com toda a carga de racismo implícito embutido nos programas oficiais do governo”. Entre outros questionamentos sobre o que se pretende, ele indaga se não seria essa a forma de “criar uma nação, uma cultura, uma sociedade apartada das correntes nacionais miscigenadoras e "misturadoras" de todos os brasileiros”.
          Sob o rótulo de Dia Nacional da Consciência Negra, o 20 de novembro, ontem celebrado, é reservado à reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira. A data foi escolhida por coincidir com a morte de Zumbi dos Palmares, em 1695. 
Nada contra a que se reverencie a comunidade negra e o grande herói brasileiro que, por vários anos, comandou um movimento de resistência à escravidão.
          O que muitos questionam é a indisfarçável conotação racista desse tributo.
          Na essência, brancos, negros e mulatos, formamos um único povo, uma mesma nação. Seres humanos se distinguem por seu caráter e dignidade, não pela cor.
          Se a intenção for homenagear uma raça, melhor que isso se faça com isenção e através de ações voltadas para a educação, saúde, segurança, moradia, inserção no mercado de trabalho e outras medidas que proporcionem o bem-estar social de seus integrantes. Afora isso, as iniciativas podem resultar inócuas, não passando de maquiagem incapaz de ocultar enorme falta de consciência.

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

TRÊS DÉCADAS SEM O MURO DA VERGONHA


Por Etelmar Loureiro

- Diário do Rio Doce – 07.11.2019

Desde a última segunda-feira, a capital da Alemanha está em festa. Pelas expectativas, mais de um milhão de convidados se unirão aos cerca de quatro milhões de berlinenses, para, no próximo sábado, 09/11, festejar os 30 anos da queda do Muro de Berlim. O desmoronar do símbolo da Guerra Fria, uma abominável e irracional barreira de concreto, com mais de 100 quilômetros de extensão, que entre 1961 e 1989 dividiu Berlim em duas partes.
 Seu objetivo era deter o elevado fluxo de gente que emigrava para a parte ocidental de Berlim, onde uma forte retomada econômica pós-guerra oferecia melhores chances de trabalho e negócios.
 Mas o muro era um trambolho arquitetônico, símbolo da insensibilidade comunista. Verdadeira catástrofe ideológica causada pela Guerra Fria em que os Estados Unidos e a União Soviética disputavam a hegemonia mundial.
 Começou a ser erguido na madrugada de 13 de agosto de 1961, logo provocando a separação de famílias, amigos e de toda uma nação por quase três décadas.
 Nos 28 anos em que se manteve de pé, causou sofrimentos e tragédias que jamais se apagarão da memória coletiva.
Entre os sensatos, ninguém supunha que aquele paredão fosse durar eternamente. Faltava-lhe sustentação ideológica, justificativa relevante, algo que lhe conferisse o status de imprescindível e digno de se alojar na lembrança positiva da humanidade. Por outro lado, nem os mais otimistas imaginavam que o monstrengo seria derrubado antes de 50 ou 100 anos.
  Sua queda, em 9 de novembro de 1989, marcou o fim de um longo período de hostilidades e de disputas econômicas, filosóficas e militares, entre capitalistas e marxistas.
            Na verdade, o também chamado “muro da vergonha” não caiu da noite para o dia. Segundo Margaret Tutwiler, à época porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, isso só aconteceu graças a um “processo longo e complexo”, de diversas negociações diplomáticas.
            A história também registra que um dos fatores que muito contribuíram para o acontecimento foi um pronunciamento de Ronald Reagan no dia 12 de junho de 1987. Naquela ocasião, o então presidente dos EEUU se dirigiu a Mikhail Gorbachev, o último líder da URSS, e disse: “senhor Gorbachev, derrube esse muro”.
                E assim se passaram três décadas de um fato que, pelas suas características, e, sobretudo, pela forma pacífica e tranquila como aconteceu, assombrou o mundo. Sem qualquer dúvida, constitui um dos acontecimentos mais extraordinários da história, indutor de grandes mudanças no cenário mundial.
            Entretanto, embora exemplar e auspicioso, esse episódio não significou o fim das demais barreiras existentes, nem desestimulou a construção de outras tantas. Pelo contrário, a prática tornou-se recorrente, típica do egocentrismo em que vivemos.
           Nos quatro cantos do mundo os muros são mantidos ou proliferam, aos montões, aprofundando o abismo entre negros e brancos, ricos e pobres, cultos e ignorantes, héteros e homossexuais, democratas e socialistas, liberais e conservadores, cristãos e islâmicos, e outras polarizações.
Velhos conhecidos, eles sempre existiram, separando pessoas e contribuindo para a legitimação de poderes presumidos. O passar do tempo apenas fez com que se tornassem cada vez mais sólidos, densos, espaçosos e intransponíveis.
Os mais difíceis de derrubar nem sempre são físicos e visíveis. Piores são os imateriais, de natureza política, econômica, social, étnica, moral, intelectual, religiosa e outras ditadas por paradigmas e regras subjetivas.
Assim como o Muro de Berlim, uns e outros devem ser exterminados, a bem da humanidade.           
            Em condições normais, a função precípua dos muros é proteger imóveis. Afora isso, eles só servem para refúgio de políticos indecisos, ou para o “pulo de obstáculo” no qual se exercitam alguns casados. Adeptos que não raro se complicam.

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

A LONDRES BRASILEIRA


Por Etelmar Loureiro

- Diário do Rio Doce – 24.10.2019

Viajar não é o meu fraco, não se inclui entre os hábitos pelos quais morro de amores. Dizer que não gosto seria exagero. Apenas não sinto pela viagem, sobretudo na sua fase preparatória, aquela ansiedade e aquele êxtase que tomam conta dos aficionados por fazer as malas e sair em busca de outras paragens. Ao contrário, sou tomado pelo desânimo e pela vontade de ficar quietinho onde estou. Ainda não cheguei ao exagero de procurar um analista que possa me apontar os motivos desse comportamento e, quem sabe, me modificar. Quando muito, faço uma autoanálise e me detenho em algumas possíveis explicações para esse “my way”. Uma delas seria a herança paterna: meu saudoso pai, viajante contumaz quando jovem, com o passar dos anos incorporou-se ao time dos “daqui não saio, daqui ninguém me tira”; e só Deus o tirou.
Outra hipótese seria o comodismo, turbinado pelo apego aos valores materiais, ambientais e pessoais, dos quais não gosto de me separar.
A maior culpa, entretanto, sempre recai nas mais de uma centena de cansativas viagens feitas entre Brasília e Governador Valadares, nos 33 anos que morei na capital federal. Um trecho de quase 1.100 quilômetros, que frequentemente percorri com mulher, filhos e volumosas bagagens, ao volante daqueles “carrões” que Fernando Collor comparava a carroças, desprovidos de direção hidráulica, de ar condicionado e até de cintos de segurança. Decididamente, não foi uma experiência das mais prazerosas.
            Mas o fato de não ser um entusiasta não significa que eu seja resistente ou intolerante a viagens. Faço tanto as obrigatórias como as de lazer, sempre que necessárias ou oportunas. Sozinho ou acompanhado de familiares e amigos, já estive em várias partes do país e do exterior. E, por paradoxal que seja, gosto de ter viajado.  Agora, por exemplo, sinto-me muito bem em Londrina, uma magnífica metrópole paranaense, a segunda cidade mais importante do Estado. Aqui, eu e minha Marlene visitamos a nossa filha Débora, o genro Rodrigo Lourenço, as netas Ana Carolina e Anna Júlia e o neto Victor, que se incluem entre os quase 600 mil habitantes locais.
                Fundada em dezembro de 1934, a cidade levou menos de quatro décadas para atingir um alto nível de crescimento populacional e econômico. Nesse período, dedicou-se ao cultivo e comercialização do café, o que lhe valeu o título de Capital Mundial do Café. Após 1970, o panorama econômico londrinense foi gradual e positivamente se modificando, a ponto de a área se tornar um dos mais importantes e diversificados centros industriais, econômicos, financeiros, administrativos e culturais do interior do país. É uma cidade jovem, moderna e pulsante, que se distingue por sua excelência na prestação de serviços, no comércio e no turismo.
A história, de empolgantes capítulos, é longa para ser contada em tão curto espaço. Impossível, entretanto, omitir uma interessante curiosidade sobre a cidade. Seu nome foi ideia do inglês Simon Joseph Fraser e de seus companheiros que, em 1925, fundaram a Companhia de Terras do Norte do Paraná, pioneira na colonização regional. Percebendo semelhança entre a névoa característica da mata local e a neblina própria de Londres, eles decidiram homenagear a capital inglesa, batizando o lugar com o nome de Londrina, que significa “pequena Londres”.
Sempre que visito outras localidades, tento conhecer ao máximo as suas características, a fim de fazer comparações com Governador Valadares.
Desta vez, as conclusões são amplamente favoráveis a Londrina. Embora seja apenas quatro anos mais velha, a cidade paranaense está anos-luz à nossa frente. Seu desenvolvimento socioeconômico e cultural supera todas as expectativas. Claro que para isso influiu o tipo de colonização, as condições climáticas, a estratégica localização e inúmeros outros fatores positivos.
Mas Valadares não tem motivos para se sentir inferiorizada. Afinal, em termos de progresso comunitário, o importante é o povo e seus administradores manterem tranquila consciência de que estão honesta e verdadeiramente empenhados na sua busca. Afora isso, é persistir e ter paciência.
Em meio a todos os descompassos, Londrina e Valadares têm duas qualidades em comum: a hospitalidade e o calor – tanto o climático quanto humano. Não deixa de ser uma gratificante afinidade.

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

UMA ABERTURA DE FECHAR O TEMPO


Por Etelmar Loureiro

- Diário do Rio Doce – 26.09.2019

            As atenções mundiais estão novamente voltadas para a Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), que se instalou na última terça feira, 24, na sede da ONU, em Nova York.
            A primeira sessão da AGNU aconteceu em Londres, aos 10 de janeiro de 1946, no Westminster Central Hall. A segunda foi em Nova York e a terceira em Paris. A fixação na sede das Nações Unidas deu-se em 14 de outubro de 1952.
            Quando de sua instalação, a Assembleia contava com 51 membros. Hoje são 193, cada qual com direito a um voto.
            Historicamente, o discurso de abertura do evento é feito pelo representante do Brasil, tradição que vem sendo mantida desde a sessão da cúpula em 1955. A deferência não decorre de qualquer dispositivo estatutário da ONU. Estaria relacionada com o fato de o Brasil ter sido o primeiro país a aderir à Organização, sendo, pois, um de seus fundadores. Ademais, o brasileiro Osvaldo Aranha, então ministro de Relações Exteriores do governo Getúlio Vargas, se destacou na história da entidade, tendo presidido a primeira sessão especial e a segunda sessão ordinária da mesma, nas quais foi aprovada a criação do Estado de Israel, com apoio do Brasil.    
Este ano não foi diferente. Coube a Jair Bolsonaro a honrosa tarefa. E o nosso presidente não “fugiu do pau”. Mesmo ainda convalescendo de uma cirurgia, lá foi ele dar o seu recado. E o fez bem ao seu estilo.  
            Com um discurso objetivo, contundente e desafiador, por muitos considerado agressivo, Bolsonaro abriu a 74ª Assembleia Geral da ONU criticando os governos da França, Venezuela e Cuba, o socialismo e o ambientalismo. Apontou ações que considera ameaças à soberania do Brasil.
Ao falar da Amazônia, ele rotulou como "falácia" a ideia de que a floresta é um patrimônio da humanidade. Não chegou a mencionar a França diretamente, mas se referiu à nação presidida por Emmanuel Macron como “um país” que seguiu a “mídia sensacionalista” e ousou “sugerir a aplicação de sanções contra o Brasil” no episódio dos incêndios na Amazônia. Macron disse que estava “na correria” e não ouviu o discurso de Jair Bolsonaro.
            O próprio Bolsonaro usou o Twitter para avaliar sua estreia na reunião: “Na ONU, levei a palavra firme do Brasil, dando voz aos verdadeiros anseios e valores de nosso amado povo. Estamos construindo um país mais próspero, onde a liberdade, a inviolabilidade da nossa soberania e a vontade dos brasileiros são os três alicerces que nos darão sustentação”, disse ele.
            No campo político, não existe meio-termo, nem meia verdade; cada um fala aquilo que politicamente lhe convém.
            Dentro do esperado, a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffman, disse que “o discurso de Bolsonaro foi vazio como ele. Não trouxe nada de concreto e se resumiu a uma guerra ideológica contra governos, ONG’s, militantes e a imprensa. Um completo vexame”.
Já o ministro Onyx Lorenzoni, da Casa Civil, achou que "o presidente Jair Bolsonaro fez discurso altivo, corajoso, verdadeiro e soberano, reafirmou seu compromisso com valores e princípios, tais como a liberdade, democracia, família e liberdade religiosa. Honrou a tradição brasileira na ONU".
Apontado por Bolsonaro como um “símbolo” do país, o ministro da Justiça, Sergio Moro, emitiu a opinião que até agora me parece a mais racional: “Discurso assertivo na ONU. Pontos essenciais: soberania, liberdade, democracia, abertura econômica, preservação da Amazônia, oportunidades e desenvolvimento para a população brasileira”.
Uma coisa é certa: marcada por palavras cordiais, às vezes enfadonhas e meramente protocolares, a abertura da Assembleia Geral da ONU dificilmente será a mesma, depois do pronunciamento de Bolsonaro. Quem sobreviver verá!

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

REEDITANDO O QUE DEU CERTO


Por Etelmar Loureiro

- Diário do Rio Doce – 12.09.2019

Nos anos 1950/1970, inúmeras famílias de Governador Valadares assistiram a uma verdadeira debandada de seus filhos. Premidos pela necessidade de continuar seus estudos, eles tiveram que fazer as malas e rumar para centros mais desenvolvidos, onde isso lhes fosse possível. Então, muitos se mandaram para Belo Horizonte, Vitória, Rio, São Paulo e outras grandes cidades, inclusive do exterior. Por lá se formaram, se estabeleceram, constituíram família e acabaram criando raízes. Em qualquer parte do planeta terra é possível encontrar valadarenses bem-sucedidos, atuando nos mais diversos setores.
            Muitos desses “retirantes”, hoje setentões, embora espalhados pelo mundo, conseguem preservar um bom relacionamento entre si, como se nunca houvessem se afastado uns dos outros.
            A explicação para tão profícuo entrosamento não se resume aos vínculos de amizade que uniram essas pessoas na meninice e na mocidade, quando eram vizinhos ou formavam uma só tribo. Há outra expressiva conexão, que inclusive concorre para que a turma se torne cada vez mais numerosa: o Colégio Ibituruna, onde, na década de 1960, todos cursaram o primeiro e segundo graus.
´           É extraordinária a influência dessa escola sobre o emocional de seus ex-alunos. Mesmo após um longo distanciamento, os professores, os colegas, as salas de aula, os desafios, as brincadeiras, as rusgas e emoções sobrevivem na lembrança de todos, alimentando um espírito de união que se fortalece com o passar dos anos.
            Entre os diferentes meios de sustentar esse estreito convívio, eles formaram no WhatsApp um numeroso grupo, onde interagem de forma contínua, falando de família, política, esporte, humor, amenidades, sacanagem, viagens e tudo o mais que possa agregar valores e perpetuidade ao grupo.
             Não satisfeitos com o simples contato virtual, a turma partiu para um encontro anual, que caminha para sua quarta edição. As duas primeiras ocorreram em Belo Horizonte e a última em Governador Valadares, todas da melhor qualidade. São dois dias de festa, com direito a comes e bebes, camiseta, muita alegria e nenhuma influência política.
            Pode até parecer uma coisa singela, nada mais do que uma confraternização entre amigos que se conhecem de velhos tempos. Mas não deve ser assim encarada. Pensado bem, é o reencontro de personagens que, após longa ausência, voltam às origens, numa rara oportunidade de mostrar as transformações por que passaram e as conquistas colecionadas em outras plagas. Em contrapartida, a eles é dada a chance de refletir sobre o quanto foram importantes os exemplos e os primeiros ensinamentos recebidos de seus pais, mestres, familiares e amigos, que os ajudaram a vencer os desafios com os quais se defrontaram em terras distantes.
            A celebração de 2018 valeu todos os esforços no sentido de torna-la realidade. Foi tão bem aceita, alegre e empolgante, que os organizadores decidiram não mexer naquilo que deu certo. Também a reunião deste ano ocorrerá nesta cidade, nos próximos dias 20 e 21, incluindo um jantar e um almoço festivos, nos mesmos moldes e locais do ano passado.
Ao que tudo indica, Valadares caminha para se tornar o palco oficial desse emblemático encontro, o que, aliás, seria justo e coerente. Afinal, a localidade oferece aos participantes, sobretudo os muitos que vêm de fora, a rara oportunidade de reencontrar parentes e velhos amigos, além de visitar locais e rever cenários que permanecem vivos em suas lembranças. Ademais, é o lugar em que funciona o tradicional Colégio Ibituruna, onde todos iniciaram a jornada cultural que os levou ao sucesso, e em torno do qual robustece a união de um grupo que não se cansa de curtir a saudade dos tempos estudantis.
           

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

GETÚLIO, O GRANDE


Por Etelmar Loureiro

- Diário do Rio Doce - 29.08.2019

            Como se não lhes bastasse provocar sobressaltos e intranquilidade em suas inúmeras vítimas, os problemas político-administrativos, agravados pela corrupção, pela retração industrial, pelo desemprego e por outras mazelas sociais, sempre contribuem para monopolizar as atenções populares.
            Talvez isso explique – embora não justifique – o esquecimento ou o melancólico decurso de algumas datas nacionais de histórica relevância, que acabam passando em branco.
            Nada a ver com o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, com o Dia Nacional de Combate ao Fumo, ou com o Dia de Santa Joana Maria da Cruz, aos quais o 29 de agosto é reservado. Em alguns locais, com maior ou menor intensidade, eles devem estar sendo celebrados.
           Mas há descasos inadmissíveis, como o acontecido no último dia 24, em vários pontos do país, quando transcorreu o 65º aniversário da morte do ex-presidente Getúlio Vargas.
            Grande personagem de uma época da qual ainda restam muitas testemunhas, Vargas é apontado como o mais importante chefe político brasileiro do último século.
            Gaúcho de São Borja-RS, presidiu o Brasil por duas ocasiões. A primeira de 1930 a 1945, conhecida como Era Vargas. Um marco na história brasileira, quando inúmeras alterações socioeconômicas aconteceram no país. A segunda de 1951 a 1954, eleito por voto direto.
            Entre outras grandes iniciativas, criou a Justiça do Trabalho, instituiu o salário mínimo e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Direitos trabalhistas, como carteira profissional, semana de trabalho de 48 horas e férias remuneradas, também são frutos de seu governo.
            Mesmo quando ditador foi um presidente que se destacou por importantes realizações como a criação da Cia. Siderúrgica Nacional, da Cia. Vale do Rio Doce e da Hidrelétrica Vale do São Francisco. Em 1953 criou a Petrobrás, resultado da campanha popular que começou em 1946, com o histórico slogan "O petróleo é nosso".
Assim como todo grande líder, tinha características próprias: foi o precursor do marketing pessoal em ampla escala, direitista convicto e populista ao extremo. Pelos admiradores era conhecido como “pai dos pobres”, por haver, em sua primeira passagem pelo poder, praticado uma abrangente política de direitos sociais e trabalhistas, atendendo a antigas reivindicações populares. Essas realizações foram amplamente divulgadas por um aparato publicitário que provocou verdadeiro "culto à personalidade" do então ditador.
No segundo mandato, iniciado em 1950, Getúlio manteve uma política nacionalista. Mas seu governo foi minado por várias crises.
Em 1954 a atmosfera política no Brasil tornou-se tensa e conturbada. Os últimos dias de governo foram marcados por forte pressão política feita pela imprensa e pelos militares. O povo estava insatisfeito com a situação econômica do país. Exigia-se a renúncia do presidente.
Vargas optou por ele próprio decidir seu destino. Cometeu suicídio no dia 24 de agosto de 1954, com um tiro no coração, em seu quarto, no Palácio do Catete, Rio de Janeiro, então capital federal.
Na carta-testamento que foi encontrada ao lado de seu corpo, escrita de próprio punho, Getúlio deixou um recado à nação: “Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente, dou o primeiro passo no caminho da eternidade, e saio da vida para entrar na história”. 
Getúlio levou consigo as qualidades de um grande estadista, ao qual o Brasil deve permanente e ampla reverência. Qualquer esquecimento será sempre imperdoável.

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

PALADINOS DO DIREITO


Por Etelmar Loureiro

- Diário do Rio Doce – 15.08.2019

                Coincidindo com o Dia dos Pais, transcorreu no último domingo uma das ocasiões em que o Direito é festejado no Brasil.
           A primeira é em 19 de maio, dia de Santo Ivo, patrono dos advogados. A outra é 11 de agosto, o Dia do Advogado, pois nessa data, em 1827, foram criados os dois primeiros cursos de Direito no país, um em São Paulo, outro em Olinda/Pernambuco.
           O marco é fixo, mas as celebrações se estendem por todo o oitavo mês do ano, em períodos alternados, segundo a conveniência dos promotores.
          Advogados existem aos montões, e se multiplicam com impressionante velocidade, na medida em que estão entre os especialistas mais requisitados.
              Segundo dados bem atualizados, há no Brasil mais de 1.400 escolas de Direito, enquanto no restante do mundo essa quantidade não chega a 1.200. O número de advogados brasileiros também é surpreendente; ultrapassa a casa de 1 milhão e 100 mil profissionais, o que corresponde a quase 18 Mineirões lotados. Se mantido o compasso de crescimento dos últimos anos, a previsão é de que, em pouco mais de 10 anos, esse contingente se eleve para incríveis 2 milhões. Os inscritos na 43ª Subseção da OAB são em torno de 3.000, número bem significativo para uma cidade como Governador Valadares, onde funcionam quatro cursos de Direito.
            De modo geral, competentes, dedicados e zelosos em seu trabalho, os advogados surgem como paladinos do direito e da verdade, nos conflitos de interesse.  Como bem realçou o jurista Ruy Barbosa, “o advogado pouco vale nos tempos calmos; o seu grande papel é quando precisa arrostar o poder dos déspotas, apresentando perante os tribunais o caráter supremo dos povos livres”. É como se destacam entre os grupos mais aclamados e benquistos da sociedade.
           Nem por isso são poupados das histórias, brincadeiras, gozações e piadas que servem para testar a esportividade e o humor dos profissionais liberais.
Algumas bem interessantes, a ponto de demonstrar o quanto são importantes o talento, a habilidade e a astúcia dos personagens envolvidos.
            Uma dessas, talvez desconhecida por muitos, mas premiada no Criminal Lawyers Award Contest, fala de um advogado de Charlotte-NC. Ele comprou uma caixa de charutos tão raros e caros que os colocou no seguro contra fogo.
Um mês depois, tendo fumado todos eles, e ainda sem quitar o seguro, o advogado registrou um sinistro contra a seguradora. Nesse ato, alegou que os charutos haviam sido perdidos em uma série de pequenos incêndios.
A seguradora recusou-se a pagar, citando o motivo óbvio: o segurado havia consumido seus charutos da maneira usual.
O advogado processou a companhia..., e ganhou!
Ao proferir a sentença, o juiz concordou com a seguradora em que a ação era frívola. Apesar disso, o magistrado alegou que o advogado "tinha posse de uma apólice da companhia, na qual ela garantia que os charutos eram seguráveis e, também, que eles estavam segurados contra fogo, sem definir o que seria fogo aceitável ou inaceitável" e que, portanto, ela estava obrigada a pagar o seguro.
Em vez de entrar no longo e custoso processo de apelação, a companhia aceitou a sentença e pagou US$ 15.000,00 ao advogado, pela perda de seus charutos raros nos “incêndios”. Depois que o advogado embolsou o cheque, a seguradora o denunciou, e fez com que ele fosse preso, por 24 incêndios criminosos!
Com base no registro de sinistro de sua autoria e no seu próprio testemunho, válidos para o processo anterior, o advogado foi condenado por incendiar intencionalmente a propriedade segurada. Acabou sentenciado a 24 meses de prisão, além de pagar multa de US$ 24.000,00.
Moral da história: cuidado com o que você faz!  A outra parte também pode ter um advogado; melhor e mais esperto!

quinta-feira, 1 de agosto de 2019

ENTRE O FÍSICO E O VIRTUAL


Etelmar Loureiro

- Diário do Rio Doce – 01.08.2019

            Em termos profissionais, trata-se de um dedicado e competente corretor de seguros. Mas a sua enorme popularidade decorre de ele ser também um emérito comunicador, um jornalista autodidata que põe no bolso muito especialista na área. Durante vários anos, Paulo De Tarso Machado dirigiu e apresentou o programa esportivo “Terceiro Tempo”, campeão de audiência na TV Rio Doce. Depois, sem comprometer as suas atividades comerciais, tem se dedicado à produção de vídeos (“live”), que transmite ao vivo em sua página no Facebook. Por esse meio, ele também costuma opinar sobre política, economia e questões comunitárias, provocando comentários que contribuem para ampliar a discussão em torno dos temas enfocados.
            Recentemente (22/07), De Tarso postou no “Face” uma inusitada observação: “90% dos que ficam jogando a culpa no executivo por fechamento de lojas em GV só compram na internet”.
A repercussão foi surpreendente. Até a última vez que visitei a sua página, o placar das reações acusava mais de 60 comentários. Muitos deles, feitos por elementos que aparentemente desconhecem ou estão pouco familiarizados com a Lei de Responsabilidade Fiscal e com outros dispositivos legais a que se subordinam os municípios. São esses os que atribuem à administração municipal a responsabilidade pela recessão que afeta o comércio local. Criticam a falta de incentivos fiscais, os altos impostos, os preços dos aluguéis, do transporte público, do estacionamento e, sobretudo, condenam a inexistência de um planejamento capaz de alimentar esperança por dias melhores. Alguns culpam, isoladamente, a administração atual. Houve um que pode ter acertado na mosca, apontando o ICMS mineiro – considerado o mais alto do país – como “a maior dificuldade para manter as portas abertas”. A maioria, entretanto, admite que os obstáculos têm origem remota.
            Não faltaram opiniões óbvias, segundo as quais o consumidor tem direito de fazer compras onde quiser, não sendo obrigado a comprar em lojas físicas, para mantê-las abertas.
            Uma ligeira turnê pelo Google mostra que o problema é universal. Pouco ou nada tem a ver com o desempenho solitário de um prefeito, de um governador, ou de quem quer que seja.
Junto com a internet, surgiu uma nova forma de vendas a varejo e de atendimento ao consumidor. No próximo ano, o comércio eletrônico completará 25 anos no Brasil. Nasceu em meados da década de 1990 e, desde então, vem crescendo de forma assustadora.
Mesmo em épocas de crise, o comércio varejista virtual só tende a aumentar. Ninguém mais precisa sair de casa ou do trabalho para fazer compras. Isso pode ser comodamente feito em qualquer lugar e a qualquer hora do dia, bastando ter acesso à internet. As tradicionais lojas físicas, dependendo da sua estrutura, são sinônimas de gastos que se equilibram na corda bamba da imensa crise que assola o país, e estão perdendo espaço.
Os varejistas e os grandes grupos empresariais, de Valadares ou de qualquer outra parte do mundo, devem se conscientizar de que é hora de modificar e rever o jeito de comerciar. Atraindo ou não clientes, com ou sem retração de vendas, o negócio precisa ser mantido em funcionamento.  
            Entre os que comentaram a observação de Paulo De Tarso, alguém mencionou que o ideal seria não lutar contra a maré, mas modernizar o comércio de GV, dando-lhe condições de suprir as demandas virtuais. Lembrou que há pessoas e empresas especializadas em internet, prontas para se desincumbirem dessa tarefa. O problema é que muitos insistem em investir e sustentar um modelo de negócio que só tende a encolher.
            A essa altura é bom ter em mente que mudar pode ser assustador, mas, além de salutar, é às vezes inevitável e inadiável.

quinta-feira, 18 de julho de 2019

O DIA DE MANDELA


Por Etelmar Loureiro

- Diário do Rio Doce - 18.07.2019 

                Por definição histórica, os grandes líderes são aqueles que conseguem agregar mais gente às suas ideias, induzindo de forma positiva o meio em que atuam, em busca de mudanças e desenvolvimento. O seu êxito é a herança que eles constroem, enquanto exercem a sua missão. De modo geral, são excelentes comunicadores, capazes de dar o recado certo, ao público certo e na hora certa. De forma proativa, estimulam uma luta constante por melhorias. Sua maior virtude é o autoconhecimento, que lhes dá consciência de seus próprios atributos e limitações.   Com esse perfil, aos quais normalmente se somam a bravura, o desprendimento e a autoridade, eles são pessoas que fazem a diferença.
            Líderes existem aos milhares, maior parte com renome circunscrito a uma determinada região ou a certo país, tipo Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, os brasileiros mais consagrados.  Mas há também um enorme contingente de personalidades cuja fama se estende mundo afora, tamanhas foram as consequências da liderança que exerceram. É o caso dos sempre lembrados Mahatma Gandhi, Napoleão Bonaparte, Franklin Roosevelt, Madre Teresa de Calcutá, Martin Luther King, Mao Tsé-Tung, Abraham Lincoln, Adolf Hitler e vários outros, sem falar em Jesus Cristo, que muitos consideram o maior de todos. Nessa galeria sempre há espaço para mais personalidades que, no dia a dia, surpreendem o mundo, pela grandiosidade de suas obras. Listas mais recentes incluem Steve Jobs, Barack Obama, Margaret Thatcher, Walt Disney, Bill Gates, papa Francisco, Donald Trump e até Kim Jong-un.
            Em meio a todos esses, há alguém que é quase uma unanimidade universal, em termos de reconhecimento e aplausos pela sua obra.
            Falo de Nelson Rolihlahla Mandela, o homem que, após quase trinta anos de prisão, conduziu seu país ao fim do “apartheid”, sistema de segregação da população negra, que vigorou na África do Sul entre 1948 e 1994, sob o comando de uma minoria branca. Instituído pelo Partido Nacional da República da África do Sul, o “apartheid” visava alcançar o desenvolvimento através do isolamento político, econômico, social e territorial de diferentes "raças". Nessa época, entre outros absurdos, só os brancos podiam votar, enquanto proibia-se o casamento e as relações sexuais entre pessoas de diferentes raças.
            Envolvido com o movimento de libertação promovido pelo partido Congresso Nacional Africano (CNA), Mandela foi preso, em 1962, por traição e conspiração contra do governo. No cárcere, tornou-se um símbolo da luta contra o “apartheid”. De lá, conseguiu mostrar a importância de todos se unirem para a construção de uma democracia, independentemente de posição política e racial.
            Embora condenado à prisão perpétua, ele foi solto em 1990, por ordem do então presidente, Frederik Willem de Klerk, quando recrudescia a luta civil naquela área.
            Libertado, com o seu país já em clima de distensão, Mandela começou a preparar sua candidatura para as eleições presidenciais programadas para 1994. Fez várias viagens ao exterior, cobrando de alguns governos, inclusive do brasileiro, a manutenção das sanções comerciais à África do Sul, até que o direito de voto fosse garantido também aos seus cidadãos negros. Esteve por cinco dias no Brasil, pelo qual se disse “sufocado de tanto amor”. Com esse sentimento, retornou em 1998, para uma visita oficial a Fernando Henrique Cardoso.
            A eleição de Mandela, em 1994, marcou o fim do “apartheid”. A transição foi facilitada pelo então presidente Frederik de Klerk, com quem Mandela compartilhou o Nobel da Paz recebido em 1993.
            Acusado por seus críticos de ser um terrorista comunista, Mandela acabou sendo mundialmente aplaudido por seu jeito dinâmico e humanitário de ser. 
            Não sem motivos, sob o consenso de 192 países membros, a Assembleia Geral da ONU transformou o 18 de julho no Dia Internacional Nelson Mandela. Uma forma de homenagear o aclamado herói sul-africano pela luta que travou contra as crueldades impostas ao seu povo. A data é hoje. Um brinde à memória do grande personagem!

quinta-feira, 4 de julho de 2019

O JUBILEU DO REAL


Por Etelmar Loureiro

- Diário do Rio Doce – 04.07.2019


                A primeira semana de julho começou sob o impacto das manifestações populares em apoio ao ministro Sérgio Moro e ao seu pacote anticrime, ao governo do presidente Jair Bolsonaro e à Operação Lava Jato. Os participantes aproveitaram para também criticar o Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Congresso Nacional. Isso aconteceu no último domingo, quando milhares de pessoas saíram às ruas das principais capitais e de inúmeras outras cidades brasileiras, solidarizando-se, de modo especial, com o titular da Justiça, que vem sendo espezinhado, desde quando o site The Intercept Brasil deu início ao vazamento de reservados diálogos entre ele, quando juiz da Lava Jato, e o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da operação. Esse imbróglio, entretanto, promete mais capítulos, podendo, de momento, ser deixado no “vinagrete”.
            Outro acontecimento digno de abordagem seria a Exposição Agropecuária de Governador Valadares, cuja 50ª edição se inicia amanhã, no parque da União Ruralista Rio Doce (URRD), sua promotora. Vai até o próximo dia 14. Mas o Jubileu de Ouro da Expoagro já foi explorado à exaustão, no DRD de domingo passado. Ali, além de aclamado por alguns dos mais destacados representantes do empresariado local, o evento ganhou um bem elaborado texto da talentosa articulista Zenólia Maria de Almeida, que esgotou o assunto.
Datas comemorativas, entretanto, nunca faltam. Mais um jubileu, este de prata, acaba de transcorrer, sem despertar todo o interesse a que fazia jus. Nesse 1º de julho, o real, lançado em 1994, completou um quarto de século. Tornou-se a moeda com circulação ininterrupta mais longeva da história contemporânea do Brasil. Suplantou o cruzeiro, que surgiu em novembro de l942 e acabou em fevereiro de 1967, durando pouco mais de 24 anos.
Numa breve retrospectiva, vale lembrar que o Plano Real foi um trabalho feito a múltiplas mãos. Com ele colaboraram consagrados economistas, como Francisco Lopes, Pedro Malan, André Lara Resende, Edmar Bacha, Gustavo Franco, Pérsio Arida e outros. Todos sob a coordenação política do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, que fazia a ligação entre a equipe técnica e o presidente Itamar Franco, o dono da ideia.
Segundo pessoas que lhe eram próximas, Itamar jamais reconheceu em Fernando Henrique a paternidade do Plano Real. Anos mais tarde, ele teria declarado ser “uma inverdade dizer que quando ele (FHC) deixou o Ministério da Fazenda para se candidatar, tudo estava pronto e feito”.
Para muitos analistas, foi o ministro Rubens Ricupero – substituto de FHC, quando este se desincompatibilizou do Ministério, para ser candidato à Presidência – o responsável por disciplinar o Plano Real, estabelecendo as regras e condições para emissão da nova moeda. Ao governo FHC pode-se atribuir o mérito de colocar em prática o que previa o plano gerado antes de sua eleição, no governo Itamar.
Independentemente de quem seja “o pai da criança”, não há como ignorar o êxito do Plano Real. Após tantos insucessos na busca de estabilidade econômica, foi o conjunto de medidas por ele incorporadas que possibilitou ao Brasil afugentar o dragão da hiperinflação. Vivíamos uma alta de preços tão galopante que, se o indivíduo fosse a um bar, beber duas cervejas, convinha pedir ambas ao mesmo tempo, para evitar que a segunda viesse mais cara.
Para se ter uma noção de como as coisas mudaram, em junho de 1994, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE, acumulava alta de quase 5.000%, em 12 meses. Vinte e cinco anos depois, essa mesma alta oscila em torno de 4%.
Os especialistas no assunto argumentam que, apesar de a economia haver duplicado de tamanho, o crescimento do país, nesse quarto de século, não foi bastante para incluí-lo entre as maiores expansões mundiais.
Por sua vez, aqueles que viveram as agruras do período inflacionário preferem as coisas como elas estão. Torcem para que o Brasil cresça da forma incontida e arrojada, desde que o custo de vida permaneça estável e controlável. A combinação é perfeita.

quinta-feira, 20 de junho de 2019

A CHANCE PERDIDA


Por Etelmar Loureiro

            Sempre ouvi dizer que “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. Um ditado que, no jargão popular, significa que persistir à frente de um desafio pode ser o segredo conseguir o que se quer.
O provérbio é uma rima concebida para facilitar a memorização da frase “a água mole cava a pedra dura”, do poeta romano Publius Ovidius Naso, que viveu entre 43 a.C e 18 d.C. Desde então, essa máxima tem estimulado a perseverança, como forma de alcançar objetivos. É a chama que alimenta a crença no “insista, não desista”.
Nesse velho, mas sábio ditado, tenho me apoiado para continuar lutando contra o pouco-caso de Valadares para com os bens patrimoniais e os protagonistas que são partes de seu passado.
Quanto aos primeiros, basta circular pela cidade, para constatar que importantes e valiosas propriedades estão deterioradas, foram modificadas ou simplesmente deixaram de existir, cedendo lugar a estacionamentos de veículos ou edificações que destoam do cenário tradicional. É cada vez mais frequente o desaparecimento de imóveis onde viveram famílias ilustres, ou funcionaram estabelecimentos públicos ou particulares que marcaram o seu tempo.
Poucos se dão conta da importância de preservar o patrimônio comum de uma cidade. Como bem disse o deputado estadual e professor mineiro, Wender Mesquita (Solidariedade-MG), “cada indivíduo é parte da sociedade e do ambiente onde vive e constrói, com os demais, a história dessa sociedade. Com isso, transmite às gerações futuras a história daquela localidade. A destruição dos bens herdados das gerações passadas acarreta o rompimento da corrente do conhecimento de uma época específica”.
Além dessa e de tantas outras rochas que precisam ser perfuradas pelas ondas do respeito e da sensibilidade, o raro interesse da comunidade se estende à memórias de gente importante, que não deve, nem pode ser esquecida. A relação é extensa, mas, sem demérito para os demais, Hermírio Gomes da Silva fazia a diferença.
Homem de visão, perseverante e otimista, era requisitado nas mais diferentes áreas. Sua digital está em quase tudo que se fez pelo progresso do município. Destacou-se como vereador, vice-prefeito, prefeito por duas vezes, presidente da Associação Comercial, diretor da Univale, um dos fundadores do Diário do Rio Doce, da Companhia Telefônica e da Fundação Percival Farquhar, diretor da Fadivale, e muito mais. Até agora, entretanto, nada disso lhe valeu uma condigna homenagem pública. Nenhuma rua ou avenida, nenhuma praça, nem mesmo um beco ou um banco de jardim leva seu nome. Inclusive a data de sua morte tem passado em branco. Se sua memória recebeu algum tributo, foi coisa discreta e reservada, muito aquém de suas qualidades. Ingratidão imperdoável, que se repete em relação a outros vultos da biografia local.
Há muito venho alertando para essa falha, na esperança de que seja corrigida pela sociedade.
No ano passado, nesta mesma época, lembrando que Hermírio faleceu em 18.06.2009, sugeri que seu nome fosse dado à Praça de Esportes situada no centro da cidade, que, aliás, embora exista há várias décadas, ainda não teria sido batizada. Seria a grande chance de a comunidade se redimir da desatenção que vem dispensando à memória desse ilustre cidadão. Um imaginário Centro Esportivo Hermírio Gomes da Silva passaria a existir a partir de quando a morte do seu patrono completasse a primeira década. A ideia não emplacou, e a data transcorreu, na última terça feira, em imperdoáveis brancas nuvens.
Outro ano se passou, a chance se perdeu, mas a sugestão fica mantida. O importante é que a “água mole” siga batendo na “pedra dura” onde se esconde a minguada reverência valadarense à memória dos seus mais notáveis personagens históricos. Uma hora, o furo aparece.


quinta-feira, 6 de junho de 2019

SÍTIO DA SAUDADE


Por Etelmar Loureiro

- Diário do Rio Doce – 06.06.2019

As cidades possuem marcas e marcos indeléveis. Épocas, locais, acontecimentos e pessoas que mergulham no túnel do tempo, mas nunca são deletadas da memória popular. Os calendários se sucedem, os costumes variam, o panorama se transforma, mas a lembrança permanece. É o caso do samba, definitivamente incorporado ao sentimento carioca; da garoa, que é parte da paisagem paulista; do pão de queijo, um dos símbolos mineiros; do bumba meu boi, expressão maior do nosso folclore popular; do réveillon em Copacabana, tido como a grande celebração de passagem de ano no Brasil; da Lavagem do Bonfim, tradicional festa baiana, que em Salvador se repete todo mês de janeiro, e tantos outros. .
Também Governador Valadares possui reminiscências e emblemas culturais.
De início, o principal ponto de concentração pública da cidade teria sido a Rua Prudente de Morais, passarela que acolheu empreendimentos pioneiros e por onde desfilaram os primeiros colunáveis da sociedade local.
Com o passar dos anos, outros ambientes surgiram e foram palcos de histórias memoráveis.  
Os charmosos bailes, os grandes carnavais e as vesperais estudantis do Ilusão e do Minas Clube, o “footing” da Praça Serra Lima, as sessões do majestoso Cine Palácio, os embalos da luxuosa Boate Groove e do frenético Paiol 120, e até (ou sobretudo) uma romântica e atraente zona boêmia são hoje gratas recordações de um período esplendoroso.
No final dos anos 1940, e em boa parte da década de 1950, as quermesses da Catedral de Santo Antônio já se faziam importantes, e aconteciam sempre em maio, que no catolicismo é o Mês de Maria.
Naquele tempo, o morro da igreja católica era precariamente iluminado, carente de urbanização e paisagismo. Mas ficava repleto de fiéis que iam assistir à coroação de Nossa Senhora, encenada por inúmeras meninas vestidas de anjos, em um imponente altar erguido à frente da matriz. Ao final, a cerimônia era saudada com foguetes e modestos fogos de artifício, quase sempre ao som de uma banda musical. Seguia-se o leilão comandado pelo insubstituível “Sô” Alfredo (Fabri), de saudosa memória. A organização ficava a cargo dos moradores de uma ou mais ruas, “festeiros” que se sucediam no arranjo do local da coroação e na coleta das prendas a serem leiloadas. À frente o dinâmico e benquisto padre João Verbeck, então vigário paroquial.
            Período pródigo em simplicidade e confraternização, do qual restou um poço de boas recordações.
Ainda bem que esses hábitos e costumes foram preservados.
Os festejos se tornaram tradição. Multiplicaram-se por várias paróquias, onde despertam crescente interesse comunitário. Agora, mais estruturados, envolvem um universo de abnegados e incansáveis colaboradores. Seus resultados, sempre positivos, são repassados a inúmeras entidades beneficentes. Tudo sob um cuidadoso planejamento, rigoroso controle e com absoluta transparência.
Para homenagear o padroeiro da cidade, a quermesse da catedral foi remanejada para a primeira trezena de junho. Como Festa de Santo Antônio, passou a ser anualmente promovida de 1º a 13 de junho, no largo paroquial. Significa dizer que o evento está em plena efervescência, reunindo jovens de todas as idades e de todas as tribos, sob o mesmo padrão de qualidade que o consagrou como um dos maiores e mais festivos ensejos de reunião da comunidade valadarense.
Continua sendo a chance de reencontrar amigos, compartilhar momentos alegres, saborear deliciosas comidas e concorrer a valiosos prêmios. Oportunidade para também harmonizar sentimentos de religiosidade e de apoio ao próximo, engajando-se em uma promoção sadia, voltada para o bem-estar das pessoas carentes. Imperdível!

quinta-feira, 23 de maio de 2019

EXPOTIMISMO

Por Etelmar Loureiro

- Diário do Rio Doce - 23.05.2019

            Há pouco tempo, comentei que os valadarenses, com sua índole crédula, são eternos idealistas, daqueles que embarcam em promessas mirabolantes, acalentadoras de sonhos que nunca se realizam.  Na ocasião, citei como exemplo a vinda da Usiminas, propalada em 1950, e da Aracruz Celulose, dada como certa em 2008, projetos que não passaram de fantasias.
            Tais desilusões, entretanto, não têm conseguido abalar o ânimo da comunidade, que, mesmo nas situações adversas, se mantém otimista e disposta a desafiar obstáculos, acreditando em bons resultados. Esse sentimento está presente nos diversos segmentos em que se divide a sociedade, com destaque para o meio empresarial. A cidade possui um comércio ativo e diversificado, uma prestação de serviços da melhor qualidade, sobretudo nas áreas médica, odontológica e hospitalar, e uma estrutura educacional de reconhecida excelência, fatores que lhe proporcionam a autoconfiança necessária para perseguir seus ideais.
            Essa estrutura não deve, nem pode ficar oculta. É preciso que seja mostrada, não apenas por reconhecimento ao trabalho e à dedicação dos que nela atuam, mas para que seus resultados sejam exibidos no mercado, à disposição dos consumidores.
            É o que neste momento acontece em Governador Valadares, no âmbito da Expoleste 2019, a mostra empresarial ontem inaugurada, com duração prevista para até o próximo domingo.
            Coroando de êxito um trabalho que se iniciou no século passado, o evento chega à sua 17ª edição, coincidindo com os 80 anos da Associação Comercial e Empresarial (ACE-GV), entidade que o promove, com apoio do empresariado local.
A semente foi plantada em 1985, quando a 1ª Exposição Industrial e Comercial de Governador Valadares (Expoinc) aconteceu no Parque de Exposições, em conjunto com a Exposição Agropecuária (Expoagro), esquema que se estendeu por vários anos.
            Em 1998, sentindo a necessidade de separar o público empresarial dos demais visitantes do Parque, a ACE-GV resolveu desvincular sua feira da Expoagro, concebendo a Expoleste, que continuou sendo realizada no mesmo local, mas em data diferente.
            Em 2002, graças a uma parceria entre a ACE-GV, a Universidade Vale do Rio Doce (Univale) e a Fundação Percival Farquhar (FPF), surgiu o Centro de Feiras e Eventos da Univale (Unicentro), que passou a abrigar a Expoleste.
                Por definição, "as feiras são uma das ferramentas de marketing mais utilizadas para a promoção de produtos/serviços, para a ampliação da carteira de clientes e para uma exposição direta junto de compradores e fornecedores. Assim, é certo que no espaço de uma Feira estarão reunidos empresários, profissionais e clientes de uma determinada área".  Elas existem desde os primórdios da humanidade, dada a necessidade de o homem trocar os artigos que possua em excesso por aqueles que lhe faltem. Os tempos evoluíram, as práticas se modernizaram, mas, na sua essência, os objetivos do certame são os mesmos.
            A Expoleste permanece sendo a maior mostra empresarial do Leste mineiro. Sua importância para Governador Valadares dispensa maiores comentários. Aliás, ela já se incorporou ao calendário de eventos da cidade, estimulando a confiança e a disposição para que todos se empenhem na luta pelas conquistas que tanto almejam. É esperança de bons negócios, de mais empregos e de um crescente desenvolvimento.
Na sua última edição, a mostra apresentou resultados altamente positivos. Otimista, entusiasta e conhecedor do assunto, o presidente da ACE-GV, Jackson Lemos, confia em que, também neste ano, as expectativas de êxito se confirmem, com chances de serem ultrapassadas. 
           Boralá, prestigiar e conferir. 

quinta-feira, 9 de maio de 2019

O JEITO DELE


Por Etelmar Loureiro

- Diário do Rio Doce – 09.05.2019 –

                O brasileiro ainda não se habituou ao estilo Jair Bolsonaro. Diferente de todos que o antecederam na história recente do país, o presidente se mostra cada vez mais atirado, imprevisível, impulsivo, arrojado e, sobretudo, independente na forma de agir. Em contrapartida, não hesita em admitir falhas e reconsiderar suas decisões, quando necessário. No seu pouco tempo de governo, fez declarações e adotou medidas polêmicas, que revolucionaram os meios político-administrativos e financeiros, deixando perplexos até alguns dos seus aliados.
            Logo de cara, a surpresa ficou por conta da flexibilização da posse de armas de fogo. Embora isso fosse uma promessa de campanha, poucos acreditavam que acontecesse tão rapidamente. E, na última terça-feira (07), Bolsonaro foi além: assinou um decreto que facilita as coisas para várias categorias, como as de proprietários rurais, colecionadores, atiradores desportivos, caçadores e praças das Forças Armadas, nas condições estabelecidas. Com certeza, muitos aplausos vão se misturar a choros e ranger de dentes. Mas a decisão está tomada, pelo menos até segunda ordem.
A suspensão do polêmico horário de verão foi outra resolução inesperada, que alguns criticaram, mas a maioria aplaudiu.
            Duas intervenções do capitão, entretanto, merecem uma análise mais profunda. A primeira ocorreu no início de abril, quando ele mandou a Petrobras sustar um aumento no preço do óleo diesel. Não foi equívoco ou mal-entendido. O próprio presidente admitiu haver ligado para o presidente da Petrobrás, ao se surpreender com o percentual do reajuste cogitado. Os consumidores aplaudiram, mas as ações da empresa despencaram, seus acionistas perderam, e o mercado financeiro bronqueou. As autoridades econômicas se apressaram em dizer que que tudo não passou de uma decisão pontual do presidente, sem implicar mudança na política de preços da petroleira. Desnecessário dizer que o aumento acabou ocorrendo.
                O outro “pitaco” aconteceu no último dia 29, na abertura da Agrishow, feira de agronegócios realizada em Ribeirão Preto.  Na ocasião, dirigindo-se a Rubem Novaes, presidente do Banco do Brasil, Bolsonaro, em tom de brincadeira, disse: “Eu apenas apelo para o seu coração, para o seu patriotismo, para que esses juros, tendo em vista você parecer ser um cristão de verdade, caiam um pouquinho mais”.
                Apesar de informais, as palavras do presidente foram mal recebidas pelos investidores, e os papéis do BB ensaiaram uma queda logo debelada. Na opinião de seus assessores, o desejo de Bolsonaro pode até ser sincero e compreensível, já que as taxas de juros no Brasil ainda são elevadas. Segundo eles, entretanto, o presidente não deveria "nem de brincadeira" pedir publicamente ao presidente do BB para reduzir os juros cobrados pela instituição. Esses mesmos auxiliares entendem que assunto até poderia ser discutido internamente no governo, pois é um direito do presidente. Mas abordá-lo publicamente dá a ideia de que o governo estaria intervindo no modo de agir dos bancos públicos.
            Em ambos os episódios, ficou clara uma preocupante submissão do governo a um mercado financeiro que não poupa sequer as empresas públicas, quando se trata de remunerar capitais especulativos. Tudo bem que se preserve a liberdade de atuação das instituições financeiras privadas. Mas em um mercado onde as forças concorrentes não se equivalem, onde o consumidor está quase sempre em desvantagem, esse livre-arbítrio tem que ser no mínimo monitorado, para que não haja excessos. É inconcebível que nem mesmo o Chefe da Nação tenha o direito de interferir para conter custos que lhe pareçam exorbitantes, pelo menos quando praticados por agentes sob controle oficial. Antes de garantir os lucros de seus investidores, as estatais devem zelar, sobretudo, pelos interesses do país. Que Bolsonaro permaneça atento e atuante!