sábado, 13 de dezembro de 2014

POÇO SEM FUNDO

                Um dos maiores escândalos ocorridos no governo Fernando Henrique Cardoso aconteceu nos idos de l988, durante a privatização do antigo Sistema Telebrás.
            Na ocasião, pressionado pelo governo, o Banco do Brasil concedeu carta de fiança de altíssimo valor ao consórcio liderado pelo Banco Oportunity, do banqueiro Daniel Dantas,  para que ele entrasse “com força” no leilão.
            Feita a operação, o ex-diretor da área internacional do BB, Ricardo Sérgio de Oliveira, em conversa telefônica “grampeada” no BNDES, disse ao então ministro das Comuncações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, a frase que provocou todo o rebu: “estamos no limite da irresponsabilidade”.
            Não demorou muito para que fossem demitidos esses dois personagens e outros enrolados na jogada, inclusive André Lara Resende (ex-presidente do BNDES).
            Isso foi quando a inconsequência e seus sinônimos ainda tinham teto. Época em que “fundo do poço” marcava o último estágio da degradação e a “gota d’água” era temida, porque fazia  transbordar o cálice da tolerancia.
            Hoje está tudo mudado.
            Cada vez mais intensos e recorrentes, os escândalos perderam o “charme”. Por sua vez, os contraventores modernos não possuem o “glamour” de Butch Cassidy & Sundance Kid, Al Capone, Robin Hood, Ronald Biggs e outros que roubavam com a classe e a elegântia próprias dos grandes ladrões.
A vulgaridade e a rotina hoje reinam absolutas. Bandidagem já não assusta, nem causa grande perplexidade. Quando muito, provoca passageiras decepções.
Parece que o povo não mais tem noção da intensidade e da gravidade das agressões sofridas. Tornou-se insensível e acomodado.  Ficou sem a capacidade de reagir ou simplesmente abdicou do direito de fazê-lo.
            Os números da corrupção, embora crescentes, perderam muito de sua representatividade. Prejuízos de milhões, bilhões e trilhões costumam ser assimilados com a mesma naturalidade. Em termos de importância, nivelaram-se aos resultados lotéricos: muitos nem conferem suas apostas, tampouco querem saber quem foi o ganhador.
            E não há sinais de luz no fim do túnel.
            Muito pelo contrário, a escuridão se alastra, envolvendo políticos, empresários e agentes públicos dos mais diversos níveis.
            Os ladrões estão à solta. Agem, com total desembaraço, como e onde querem, com preferência para os cofres públicos.
            Recentemente, após pedir demissão da Controladoria Geral da União, o ministro Jorge Hage não poupou críticas à falta de fiscalização nas empresas estatais. Segundo ele, a CGU, principal agente federal no combate à corrupção, tem poucos instrumentos para controlar essas empresas.
            Quase simultaneamente, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, aconselhou a demissão de toda a atual diretoria da Petrobrás, afirmando que “corruptos e corruptores precisam conhecer o cárcere e devolver ganhos espúrios que engordaram suas contas à custa da esqualidez do Tesouro Nacional e do bem-estar do povo”.
            Mas foi nesse clima, agravado pelo pedido de rejeição das contas de campanha da presidente Dilma, feito por técnicos do TSE, que o Congresso Nacional aprovou o projeto de lei que elimina a meta fiscal deste ano e livra a chefe do governo do risco de ser incriminada por descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal.
            Pior do que isso só mesmo a volta da CPMF, que estaria sendo tramada por alguns dos novos governadores eleitos, com consentimento de Dilma Rousseff.
            No contexto, fica fácil entender o comentário de um internauta, inspirado em “A Pátria”, de Olavo Bilac: “Criança! Não verás nenhum país como este!”. Do jeito que vai, não verá, mesmo.

- Diário do Rio Doce
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domingo, 7 de dezembro de 2014

MUROS INSANOS

            É inacreditável a rapidez com que o tempo passa, tornando distantes episódios que, no imaginário, parecem ser de ontem.
            Nem parece, por exemplo, que já decorreram 25 anos desde a derrubada do Muro de Berlim.
            Lá se foram duas décadas e meia, um quarto de século, de um fato que, pelas suas características, sobretudo a forma inusitada e tranquila como aconteceu, assombrou o mundo. 
            Entre os sensatos, ninguém imaginava que aquele paredão fosse durar tanto quanto as Muralhas da China. Faltava-lhe sustentação ideológica, justificativa relevante, algo que lhe conferisse o status de imprescindível e digno de se alojar na lembrança positiva da humanidade. Por outro lado, nem mesmo os otimistas supunham que o monstrengo cairia antes de 50 ou 100 anos. 
            Tinha como finalidade principal deter o elevado fluxo de gente para a parte ocidental de Berlim, onde forte retomada econômica pós-guerra oferecia melhores chances de trabalho e negócios.
            Mas o muro era um trambolho arquitetônico, símbolo da insensibilidade comunista. Verdadeira catástrofe ideológica causada pela Guerra Fria em que os Estados Unidos e a União Soviética disputavam a hegemonia mundial. 
            Começou a ser erguido na madrugada de 13 de agosto de 1961, logo provocando a separação de famílias, amigos e de toda uma nação por quase três décadas.
            Nos 28 anos em que se manteve de pé, causou sofrimentos e tragédias que jamais se apagarão da memória coletiva.
            Sua queda, em 9 de novembro de 1989, marcou o fim de um longo período de hostilidades e de disputas econômicas, filosóficas e militares, entre capitalistas e marxistas.
            Entretanto, embora exemplar e auspicioso, esse episódio não significou o fim das demais barreiras existentes, nem desestimulou a construção de outras tantas. Pelo contrário, a prática tornou-se recorrente, típica do egocentrismo em que vivemos.
            As Coreias continuam separadas. Na fronteira dos EEUU com o México há um imenso paredão, o mesmo acontecendo entre Israel e Palestina. Até no Rio de Janeiro eles foram erguidos, a pretexto de prevenir a expansão das favelas.
Fato é que nos quatro cantos do mundo os muros são mantidos ou proliferam, aos montes, aprofundando o abismo entre pretos e brancos, ricos e pobres, cultos e ignorantes, heteros e homossexuais, democratas e socialistas, liberais e conservadores, cristãos e islâmicos, e outras polarizações.
Velhos conhecidos, eles sempre existiram, separando pessoas e contribuindo para a legitimação de poderes presumidos. O passar do tempo apenas fez com que se tornassem cada vez mais sólidos, densos, espaçosos e intransponíveis.
Os mais difíceis de derrubar nem sempre são físicos e visíveis. Piores são os imateriais, de natureza política, econômica, social, étnica, moral, intelectual, religiosa e outras ditadas por paradigmas e regras subjetivas.
Assim como o Muro de Berlim, uns e outros devem ser exterminados, a bem da humanidade.
Bem pensado, o muro só é realmente útil em três situações: nas comunidades, como protetor de imóveis; na vida pública, como refúgio de maus políticos; na fantasia dos casais, como obstáculo a pular. Afora essas – mas também às vezes nessas – só traz constrangimentos. E dos grandes!

- Revista "Mais Mais PERFIL" - edição nº 40
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