Assim como as conquistas, as descobertas, as
invenções e outros grandes marcos, as traições ocupam espaço nobre na biografia
da humanidade.
Estão presentes na boemia, na política, no
futebol, na religião, no meio artístico, nas relações empresariais, no campo
diplomático e onde mais haja gente, sobretudo na vida a dois.
A antologia de traições é extensa, abrangendo
casos curiosos e instigantes.
O mais emblemático tem como protagonista
Judas Iscariotes, o apóstolo mau-caráter que entregou Jesus Cristo, por míseras
trinta moedas de prata. Tornou-se símbolo da canalhice.
Outro clássico é a tragédia romana em que Brutus participou
do assassinato de seu pai adotivo, o imperador Júlio César, incluindo-se entre
os que o apunhalaram.
No Brasil, embora acirradamente disputado
pelos homens públicos, o “Troféu Traíra” está em poder de Joaquim Silvério dos
Reis, desde quando ele dedurou a Inconfidência Mineira, fazendo com que
Tiradentes se ferrasse.
Fonte inesgotável de mexericos, as traições
que mais provocam buchichos são as “puladas de cerca”, com destaque para as
cometidas por gente famosa. Na categoria há muitos enredos e atores premiados.
Os incendiários “affaires” de Cleópatra
indicam uma prática anterior à Era Cristã. A rainha do Egito não era bela como
foi revivida no cinema por Elizabeth Taylor, mas tinha o talento de Hilda
Furacão.
Mais recente, o triângulo amoroso formado
pela princesa Diana, o príncipe Charles e a então amante dele, Camilla Parker,
quase fez desmoronar o Reino Unido. A monarquia balançou.
Não menos explosivas foram as incursões
eróticas de John Kennedy e Bill Clinton, capazes de provocar inveja em Silvio Berlusconi. Tanto
quanto elas, marcaram época as trapalhadas de alcova em que se meteram certos
ex-presidentes de países sul-americanos, envolvidos com mulheres jornalistas,
domésticas e róseas secretárias.
Por abomináveis que sejam, as traições mexem
com o emocional. Inspiram obras literárias, teatrais, cinematográficas,
televisivas e musicais. O interesse por elas é diretamente proporcional à
intensidade dos escândalos e ao prestígio dos envolvidos.
Até recentemente, obedeciam a uma liturgia
que impunha paciência, habilidade, persistência, bastante coragem e discrição.
Por isso eram mais excitantes. Hoje já não têm tanto charme, nem despertam a
adrenalina de outros tempos. A quebra de tabus sociais e a evolução dos meios
de comunicação tornaram tudo mais fácil. Homens, mulheres, jovens e velhos,
políticos, empresários, falsos religiosos, quase todos arriscam uma escapulida. Basta um telefonema, um torpedo, um MSN
cifrado e correr para o abraço. Lealdade deixou de ser obrigação, para
transformar-se em opção dos poucos que se dispõem a defendê-la (bem lembrado!).
A
modernidade descomplicou o processo, mas não saneou o Reino da Trairagem. Os
desequilibrados e despreparados ainda agem aos montões, encenando recorrentes
situações que seriam cômicas, não fossem trágicas.
O exemplo poderia resumir-se na atitude do
proprietário de circo que matou sua mulher e o gorila com o qual ela
contracenava, suspeitando que tivessem um caso. Outro sintoma foi o barraco
armado pela esposa que se sentiu traída, quando, ao desmontar o aspirador da
casa, encontrou uma calcinha que não era dela.
Mas a mediocridade vai longe. Em Vila Velha , Espírito
Santo, um sexagenário casado há mais de trinta anos, pai de três filhas,
excedeu na bizarrice: largou a família para juntar-se ao o genro, com quem
mantinha tórrido romance, curtido em furtivas viagens e pescarias. Doido!
Depois dessa, não há como discordar de Júlio
César. Segundo o filósofo Plutarco, o imperador declarou que amava as traições,
mas odiava os traidores. Sujeito sensato!
Texto publicado na revista
"Mais Mais PERFIL" de abril/2013