sábado, 25 de outubro de 2014

HORA DA AGULHADA

            A temporada eleitoral de 2014 atinge o seu término.  Confirmando que “não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe”, é o momento de a onça beber água.
            Depois de extensa caminhada, em que muito se ouviu, mas pouco se aproveitou, chegou o dia de o brasileiro escolher o próximo presidente da República.
            O que teve duração mínima foi a esperança de que a disputa se convertesse num fórum de boas discussões. Em oportunidade para que relevantes temas nacionais fossem tratados de maneira franca, ampla, objetiva e séria. Até para fundamentar e dar credibilidade às promessas dos candidatos.
            Isso não ocorreu. Embora acirrados, os debates foram medíocres, sem consistência ou criatividade. Em lugar de discutir ideias e projetos, os adversários privilegiaram uma inútil troca de acusações, em que o sujo criticava o mal lavado. Na base de violentos ataques e grotescas pegadinhas, um procurava desconstruir a imagem do outro. Autênticos “barracos” orquestrados por marqueteiros.
            Meio assombrado, diante de tanta agressividade, o povo vai às urnas sem saber o que Dilma Rousseff ou Aécio Neves realmente pretendem fazer pela nação.
O corte de gastos públicos, a redução dos impostos, a diminuição dos juros e o ajuste cambial foram apenas alguns dos temas em que não quiseram se aprofundar ou simplesmente ignoraram, apesar de sua importância para o futuro do país. Ninguém sabe, por exemplo, se e como eles planejam enxugar a máquina pública, promover as reformas política e tributária, reduzir a maioridade penal, combater a violência urbana e a discriminação racial, e praticar outras ações insistentemente reclamadas pela sociedade. Preferiram render-se à beligerância e à futilidade.
Tumultuada por acontecimentos inesperados, e agitada por acalorados bate-bocas, a eleição está sendo vista como a mais disputada desde a redemocratização do país. Na opinião de Carlos Augusto Montenegro, presidente do Ibope, é a “mais difícil da história”. Decepcionou, porém,  em termos de civilidade. A baixaria representou o que de mais longo e indesejável poderia acontecer.
No cômputo geral, entretanto, foi mais um grande passo rumo à consolidação democrática do país. O “meu bem, meu mal” que ora incomodou, ora empolgou e, agora, só voltará no próximo pleito. Até lá, nada de horários políticos, propagandas, comícios, carreatas, pesquisas, mensagens virtuais e outras “benesses" que fizeram a alegria de uns e a outros aporrinharam.
Logo mais, os vencedores estarão comemorando. Para eles, a batalha terá sido tão boa que seu término deixará saudade. Do outro lado, tristes derrotados agradecerão o fim de um período estafante e inglório. Tempo em que nadaram muito, pra morrer na praia. Faz parte do jogo!
Para isso, o ciclo tem que se fechar. Voto anulado, em branco ou abstenção é covardia, pura sacanagem. Não condiz com o cidadão responsável.
O Brasil espera que todo eleitor cumpra o seu dever. Inclusive aquele para quem, nesta eleição, votar é como tomar injeção no bumbum: sabe que vai doer, mas só lhe resta escolher o lado. Ossos da cidadania!

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domingo, 19 de outubro de 2014

DEBATES AO MOLHO PARDO

O primeiro debate político na TV aconteceu em 1960, entre Richard Nixon e John Kennedy, que, à época, disputavam a presidência dos Estados Unidos.
Desde então, virou costume universal, capaz de influir decisivamente no resultado de uma eleição.
No Brasil, ganhou popularidade nas eleições presidenciais de 1989, quando Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor de Mello, já finalistas, quase se engalfinharam diante das câmaras. Protagonizaram dois antológicos confrontos, marcados pela baixaria e por ataques pessoais. Tudo mostrado ao vivo e a cores, por uma cadeia de emissoras formada por Globo, Bandeirantes, Manchete e SBT.  
Depois disso, os debates adquiriram crescente e indiscutível importância.
Na atualidade, são bem mais atraentes e influentes do que as apresentações no horário eleitoral gratuito, o que nem tanto mérito lhes confere, diante da mediocridade do programa obrigatório.
Ao pé da letra, debates são discussões amigáveis entre duas ou mais pessoas que queiram expor suas ideias ou discordar das demais, sempre tentando impor seu ponto de vista ou sendo convencidas pelas opiniões opostas. Costumam ser longos e às vezes não levam a conclusões. Mas são práticas saudáveis, que permitem que sejam apreciados vários ângulos de uma mesma questão. Podem abranger diferentes temas, inclusive futebol, política e religião. De modo geral, os debatedores são concisos e miram a troca de ideias, sem ofensas recíprocas.
O que se vê nas Eleições 2014 está bem longe desse civilizado conceito: os debates se transformaram em contendas em que a ética, o respeito e as ideias foram para o espaço.
Na primeira parte da campanha, os candidatos ainda se respeitaram um pouco mais. Nem tanto por consideração, mais pela preocupação em não inviabilizar possíveis acordos no segundo turno.
Entretanto, desde o momento em que a disputa ficou entre Aécio Neves e Dilma Rousseff, os dois colocaram as garras de fora e partiram pro vale-tudo.
O debate promovido pela TV Bandeirantes, repleto de acusações de corrupção e nepotismo, foi logo comparado com uma sangrenta luta de UFC. Pensava-se que Dilma levaria um “chocolate” de Aécio. Isso não aconteceu. Acuada no início, ela conseguiu reagir e foi para o contra-ataque. Ao final, arrancou “glorioso” empate, que, para o tucano, teve certo gosto de derrota.
No segundo confronto, levado ao ar pelo SBT, prevaleceu a troca de farpas entre os candidatos a respeito das denúncias de corrupção envolvendo seus partidos. Mas o resultado foi diferente. Dessa feita, na análise do jornalista Ricardo Noblat, “Aécio impôs sua agenda, rebateu os ataques de Dilma, com calma, lógica e argumentos bem pensados, e foi impiedoso”. Referindo-se ao mal-estar que a presidente sofreu no final, Noblat concluiu: “Ela saiu nocauteada, não é força de expressão”.
Embora não envolvendo discussões mais aprofundadas acerca dos grandes temas de interesse nacional, os debates, (ou embates, como queiram) não parecem muito fora do agrado popular.

Não são poucos os indícios de que, no fundo, o brasileiro gosta mesmo é de “ver sangue”. Até o famoso “paz e amor” lhe parece mais gostoso quando ao molho pardo. A dúvida é se vale a pena mudar essa tendência.

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