sábado, 27 de setembro de 2014

AGONIA DAS ÁGUAS

                Teria sido a gota d’água que faltava para “entornar o caldo”. Mas, quando a nascente do Rio São Francisco secou, nem mesmo esse pingo remanesceu, para simbolizar a gravidade da situação.
O inédito fenômeno pode ainda não representar séria ameaça ao Velho Chico, pois outros rios e riachos o abastecem. Contudo, segundo o analista ambiental Vicente de Paulo Faria, "ele simboliza que a mudança climática é um fato, e que a gente tem que se preocupar com isso, os governos têm que se preocupar com isso”.
E não se trata de caso isolado. Em mais regiões do país, mananciais agonizam, sob a ação insana e deletéria do homem. O grande exemplo está em São Paulo. Na terra dos bandeirantes, após muitos anos de poluição, o famoso Rio Tietê tornou-se um megaesgoto a céu aberto. Como consequência, o sistema Cantareira, que abastece a capital e vários outros municípios paulistanos, está à beira do colapso.
Nesta região, o Rio Doce está assustadoramente abaixo do nível desejável. Segundo a Companhia de Pesquisas em Recursos Minerais (CPRM), trata-se de uma das piores secas sofridas nos últimos 70 anos. As comunidades ribeirinhas vêm sendo severamente castigadas.
Em Valadares, o problema se faz sentir na sua plenitude. Já há registro de desabastecimento na periferia e em outros pontos, inclusive na área central.
O Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) diz estar adotando todas as providências ao seu alcance, para garantir o fornecimento. A situação, porém, é preocupante.
A escassez de água é natural em qualquer localidade. Muitos fatores contribuem para que ocorra. Entre eles, a falta de chuvas, o aumento do consumo provocado pelo crescimento demográfico, e o desperdício.
Os dois primeiros são incontroláveis, mas o último pode ser eliminado, com ajuda do povo e rigorosa fiscalização por parte do poder público.
É o que precisa acontecer em Valadares, na intensidade que a circunstância exige.
           Basta uma ligeira caminhada pela cidade, para constatar a indiferença de certas pessoas, empresas e até órgãos públicos. Nem todos estão levando a sério o risco de falência do sistema.
          Não é raro encontrar alguém desperdiçando preciosos litros d’água. O desrespeito é maior nas áreas centrais. É onde os mais abastados insistem em pródigas limpezas de passeios, irrigações de plantas e jardins, lavagens de veículos e outras práticas que chegam a afrontar à comunidade.  Nesse rol estão condomínios, postos de combustíveis, lava-jatos, colégios (inclusive oficiais), mansões, casas e outros locais onde o líquido segue jorrando como se houvesse enchente.
          Mesmo sendo o Brasil um país privilegiado em termos de disponibilidade de água, a preservação desse recurso natural deve ser motivo de constante preocupação. Quando nada, em respeito aos muitos povos e regiões que dele carecem.
            O Velho Chico, o Rio Doce e tantos outros cursos d’água sofrem agressões que não conseguem reprimir de pronto. Não lhes faltam, entretanto, meios de reagir. E a reação é como o implacável castigo Divino: tarda, mas não falha. A prova está visível!

- Jornal de Domingo
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domingo, 21 de setembro de 2014

FAZ DE CONTA

             Há muito, a situação econômica e financeira da Petrobrás vem se deteriorando.
          Seus resultados contábeis, ainda que positivos, se mostram sempre declinantes, quando comparados com os de exercícios passados.
            Segundo analistas, uma das principais explicações para isso seria o represamento de preços da gasolina e do diesel, praticado pelo governo, para evitar aumento da inflação.
            Outro responsável é o enorme e crescente endividamento da Petrobras – o maior entre as grandes petroleiras do mundo –, contraído para bancar pesado programa de investimentos. De acordo com as previsões, a dívida líquida da empresa deverá ultrapassar de US$ 100 bilhões, até 2018, situando-se bem cima do seu valor de mercado.
            São dados que, na verdade, mais interessam aos acionistas, os mais afetados pelo sobe e desce das ações da estatal. Mas não passam de perfumaria, se comparados a outros fatores que estão contribuindo para a derrocada da empresa.
            Na visão do povo, mero consumidor de uma das gasolinas mais caras do mundo, a corrupção e as falcatruas que ali se instalaram, nos últimos doze anos, são as grandes causadoras do desastre.
            Os questionamentos envolvendo a compra da Refinaria de Pasadena, a construção da Refinaria Abreu e Lima, aliados aos vergonhosos escândalos denunciados por Paulo Roberto Costa, ex-diretor da companhia, têm provocado imensa revolta popular.
 A essa altura, percebendo a inércia e até a complacência das autoridades, o cidadão se vê motivado a enfatizar sua indignação. E a melhor forma de fazê-lo é na manifestação de rua, tipo aquelas promovidas em junho do ano passado. Quando pacíficas e bem organizadas, costumam surtir efeito.
Foi o que pareceu estar acontecendo, no último dia 15, no Rio de Janeiro.
Dias antes, via internet e outros meios de comunicação, divulgou-se que o Rio seria palco de uma manifestação, com Lula, de grande importância para o futuro do país. Um ato político em defesa do pré-sal, da Petrobrás e do Brasil. A organização estava a cargo da CUT, outros sindicatos trabalhistas e movimentos sociais.
Conforme programado, a concentração iniciou-se por volta de 10 horas, na Cinelândia, de onde partiu, em passeata, rumo à sede da Petrobrás.
            Lula chegou em torno de meio-dia, acompanhado de Lindberg Farias (PT), candidato ao governo do Estado.
            Em seu sempre inflamado discurso, o ex-presidente disse: "Estou presente aqui porque, quando surgem algumas denúncias de corrupção contra a Petrobras, muitas pessoas começam a ter vergonha de vestir o uniforme da empresa e eu insisto em fazer isso. Não tenho vergonha desta camisa, que deve orgulhar os trabalhadores e o povo brasileiro pelo que a Petrobras significa para país”. 
            Qualquer mobilização em favor das grandes empresas brasileiras, estatais ou privadas, será sempre bem-vinda.
            A passeata carioca, entretanto, provocou um misto de estranheza e perplexidade. Não pelos motivos anunciados, mas pelo fato de a defesa da Petrobrás estar sendo feita, em tempo de eleições, justamente pela corrente política que vem sendo responsabilizada pelos desmandos acontecidos na empresa. Surrealismo tem limites!

- Jornal de Domingo
- Diário do Rio Doce