Essa
aglutinação resulta irônica, ao sugerir que o Brasil chore a morte de seu
principal herói, no mesmo dia em que festeja o nascimento de sua capital, na
véspera de celebrar a própria descoberta.
Antes
comemorados em alto estilo e com grande entusiasmo, esses marcos históricos
estão perdendo o magnetismo e enfrentam gradativo esquecimento.
Se
os festejos alusivos à fundação da Capital federal continuam despertando
interesse de boa parte da população brasiliense, isso mais se deve aos
espetáculos populares, estrelados por desportistas, bandas e artistas famosos
incluídos na programação. Os demais eventos, em especial os de natureza cívica,
são prestigiados quase só por autoridades e convidados obrigados a marcar
presença.
A explicação
estaria no fato de Brasília, mesmo permanecendo bela e exuberante, haver
perdido parte de seu charme e poder de sedução, graças aos repetidos escândalos
de que tem sido palco. Além disso, ostentando crescimento muito acima do
imaginado por JK, a cidade completa 54 anos, com problemas de metrópoles
centenárias, dificultando a mobilidade e desestimulando um maior envolvimento
comunitário.
O Dia de
Tiradentes, um dos mais importantes feriados nacionais, ainda resiste
bravamente à queda de prestígio, entrincheirado na Terra das Alterosas, berço
de Joaquim José da Silva Xavier. Os mineiros não economizam homenagens ao
Mártir da Independência. No restante do país, entretanto, não se nota a
mobilização de outras épocas, haja vista a melancolia com que a data vem
transcorrendo.
E a situação tende a se agravar,
caso evolua a inusitada história de que Tiradentes seria uma farsa produzida
pelos Inconfidentes. Segundo versões que circulam na internet, uma delas
atribuída ao jornalista Guilhobel Aurélio Camargo, nosso grande herói teria
terceirizado seu enforcamento e se mandado para a França, onde depois seria
visto mais de pé que a Torre Eiffel. Em troca de ajuda financeira à sua família,
o carpinteiro Isidro Gouveia, um ladrão condenado à morte, teria assumido a
identidade de Tiradentes, para, com o rosto encoberto, ser executado em lugar
do alferes.
Já
a façanha atribuída a Pedro Álvares Cabral ruma célere para a galeria dos
grandes acontecimentos irrelevantes. Foi preterida até pela terça-feira de
Carnaval, que tem status de feriado.
Pouco se fala do
dia em que os navegantes portugueses encontraram a Terra de Vera Cruz. Quando
muito, gozadores de plantão fazem piadas e chacotas com o descobrimento. Uma
delas conta que, em certo momento, um olheiro da caravela portuguesa gritou que
avistava um grande monte. E Cabral, assustado, teria perguntado: - De que?! Era o Monte Pascoal!!!
Há
muitas explicações para a amnésia cívica que ameaça a nação. A mais plausível
repousa no quanto as farsas contemporâneas podem ofuscar ou colocar em dúvida
os registros históricos. O presente que inibe a confiança no futuro também incita
a descrença no passado.
Ainda bem que o Dia do
Descobrimento coincide com o Dia da Mandioca. E o brasileiro é chegado a uma
mandioca – a amarelinha, macia e, de preferência, com carne de sol e cerveja
gelada. É a garantia de que o achado de Cabral continuará sendo comemorado,
pelo menos nos bares da vida.
- Jornal de Domingo
- Diário do Rio Doce