quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

A IRREVERÊNCIA QUE SE FOI


Por Etelmar Loureiro

- Diário do Rio Doce – 14.02.2019

             Este início de ano tem sido bastante trágico para os brasileiros. Em menos de 50 dias, três catástrofes causaram muitos mortos, desaparecidos, feridos, desabrigados e um extenso rastro de destruição: o rompimento de uma barragem de mineração em Brumadinho; os deslizamentos de terra causados por fortes chuvas no Rio de Janeiro; e o incêndio no Centro de Treinamento do Flamengo.
 Ainda sob a forte emoção provocada por essas tragédias, o Brasil foi novamente abalado, na última segunda-feira, 11, pela morte de Ricardo Boechat, um dos jornalistas mais estimados e respeitados do país, vítima de um desastre de helicóptero ocorrido em São Paulo. Esse triste acontecimento também causou enorme consternação.
Militante na área, desde 1970, Boechat atuou nos principais veículos de comunicação do país, conquistando inúmeros prêmios. Em 2004, ingressou no Grupo Bandeirantes de Comunicação, onde se consagrou definitivamente, ancorando noticiários radiofônicos e telejornais. Em seus comentários, ácidos e diretos, sempre aguardados com ansiedade, ele demonstrava corajosa irreverência, independentemente da pessoa ou do fato a que se referisse. Outro de seus festejados momentos era o quadro “Buemba Buemba”, da BandNews FM, que dividia com o jornalista e humorista José Simão, fonte das autênticas e famosas gargalhadas que o caracterizavam. Aliás, partiu de Simão uma das mais eloquentes referências ao amigo e parceiro de programa: “O Boechat era um vulcão. Tinha pensamento próprio, independência, falava o que estava na cabeça. Era ele que imaginava, o que ele sentia na hora.Se você quiser dizer ‘apartidário’, ele  é um exemplo. Ele era um justo. E muito engraçado, muito.”
Sem ser daqueles que precisam morrer para fazer jus a reconhecimento e aplausos,  Boechat, embora avesso ao estrelismo, sempre teve luz própria, alimentada por um talento que fazia a diferença. Certamente por isso, sua memória está sendo reverenciada por tantos amigos, fãs, colegas de trabalho e até concorrentes. O global William Bonner, por exemplo, abriu espaço em seu Instagram, para dizer que  “o Boechat foi um colecionador de prêmios e um colecionador de amigos. Acho que esse é um resumo muito pertinente do que ele representou para todos nós, jornalistas. Mas eu acho que todos nós, também, hoje, vivemos uma tristeza avassaladora com a perda dele".
Como era de se esperar, também as redes sociais ficaram tomadas de comoventes mensagens enaltecedoras das virtudes do já saudoso jornalista. Uma das que me pareceram mais tocantes partiu de Mônica Loureiro, minha filha, sua admiradora incondicional, que, no Facebook, postou: “Meu caro Boechat, é assim que quero me lembrar de vocêdescontraído e envolvente. Você me ensinou o hábito de ouvir notícias. Trocamos e-mail em 2012, que vou guardar pra sempre. Nele você teve o carinho de me agradecer os singelos, muito sinceros, elogios. Não terei mais suas colocações ora sarcásticas, ora exacerbadas, mas espetacularmente inteligentes. Não havia distância entre os seus pensamentos e os de seus seguidores. Conquistou a todos nós. Gostaria que fosse um pesadelo. E que, amanhã, você voltasse ao seu microfone e à sua bancada na Band. Mas, a vida é assim. Creio que você tenha vivido a sua, com plenitude e sem muitos medos. Não o verei sem voz, senil, doente. Não combinaria, definitivamente, consigo. Que se cumpra a sua história. Lamento muito por sua mãe, por sua doce Veruska, seus filhos, seus irmãos e amigos próximos. Lamento por nós, que retornaremos à rotina, sem o Partido da Genitália Nacional, sem suas cutucadas na Mônica Bergamo e as rusgas com Pitonisa Neves. Vai com você um jeito insubstituível de fazer jornalismo. Seus olhos claros conquistarão mais encantados, por onde quer que passem. Vá em paz!”
Sempre à frente do seu tempo, Boechat foi uma exceção na sua maneira extrovertida de ser e de  atuar. Profundo conhecedor dos temas que abordava, tinha ampla liberdade de opinião, prerrogativa que exercia sem papas na língua, mas com segurança, sabedoria e responsabilidade. Tanto quanto homem de notícias, ele era a própria notícia. De tudo isso, resta uma enorme saudade.

NOVO DESPERTAR

Por Etelmar Loureiro

- Diário do Rio Doce - 17.01.2019
           
            A modernidade se tornou tão dinâmica, que está difícil acompanhá-la. Até mesmo os mais antenados nas evoluções tecnológicas, geralmente jovens, costumam ser surpreendidos por mudanças para as quais não estavam preparados. Diariamente, surgem novas invenções, cada qual mais inusitada, tornando obsoletos instrumentos e aparelhos que até então eram considerados insuperáveis. Entre os mais populares, estão as máquinas de escrever e de fax; os receivers, os gravadores, os toca-discos e toca-fitas; as câmeras filmadoras, as fitas e o videocassetes; as listas telefônicas, os dicionários e as enciclopédias; os orelhões e outras parafernálias que, no auge da utilização, foram desbancadas.
 
            Essa maravilha do mundo moderno, chamada smartphone, telefone inteligente ou celular, que hoje quase todos levam consigo, reúne funções que praticamente tiraram do mercado inúmeros objetos. O despertador, o relógio de pulso, o espelho, a calculadora, a agenda geral, o rádio, a lanterna, o GPS e, sobretudo, a câmera fotográfica são apenas alguns. Vários outros estão na marca do pênalti.
 
             A tendência é todo artefato tecnológico entrar em desuso, à medida que a ciência avança.  Surpreendente é a velocidade com que isso vem acontecendo, a ponto de alguns deles sucumbirem, antes mesmo de serem inteiramente explorados.
 
            Se esse cenário deixa perplexas as gerações mais recentes, fica fácil imaginar o que se passa na cabeça dos que nasceram no século passado, lá pelas décadas de l940 a 1960. Gente que, na infância, foi criada à luz de vela, lamparina ou lampião. Gente que por muito tempo cozinhou em fogão de lenha e esquentou água no fogo, para tomar banho em bacia. Gente que usava torrador e moedor de café, e demorou a ter geladeira, chuveiro elétrico, forno micro-ondas, liquidificador, e outros aparelhos domésticos. Gente que ouvia novela no rádio, e passou longos anos sem televisão, computador, internet e telefone celular.  Gente que se movimentava a pé, a cavalo, em carroça ou charrete, até que conquistou a bicicleta e, depois, o carro. Longe de revoltada, essa gente guarda as melhores recordações do seu tempo, aceita as transformações ocorridas e se orgulha de haver participado da evolução que hoje presencia.
 
          A modernidade também tem refletido no comportamento humano. Ao longo do tempo, muitos hábitos se modificaram e muitos tabus foram derrubados.
 
Os mais antigos tinham manias condizentes com a época. Sem as opções de hoje, mantinham uma vidinha “arroz com feijão”, mas bem organizada.
 
              Acordavam cedo, sob o cantar do galo, o cacarejar das galinhas, o grito do padeiro ou o sino da igreja. Faziam suas orações, tomavam o tradicional café da manhã, o homem saía para o seu trabalho, a mulher logo se envolvia com a arrumação da casa, o preparo do almoço e outras tarefas caseiras, enquanto os filhos iam para a escola. À noite, uma janta leve, de modo geral uma sopa. Sem Jornal Nacional ou novela das nove, o destino era a cama, o que de certa forma explica a enorme quantidade de filhos gerados pelos casais daquela época. Mas tudo acontecia “a tempo e horas”, sem precisar de agendas ou despertadores.
 
          Agora tudo mudou. Não há rotina pra mais nada. Cada qual tem seu horário de dormir, de acordar, de se alimentar e de fazer amor. O único que se mantém, conforme a tradição, é o café da manhã. Desjejum que os poderosos se sentem cada vez mais “motivados” a preparar, até com certo requinte, para oferecer a inesperados, incômodos e inevitáveis convidados que não raro batem à sua porta, ao alvorecer. Anfitriões que, antigamente, acordavam “com as galinhas”. Hoje, despertam com a chegada da Polícia Federal. De fato, as coisas se modificaram!