A ARTE DA PARTILHA
Por Etelmar Loureiro
Dividir não é fácil. Onde quer que a tarefa se imponha, ela requer habilidade,
bom senso e espírito de justiça.
Nada a ver com a repartição de pães de que falam os cristãos, nem com a divisão
de bolos de aniversários, tampouco com o rateio de queijos. Nesses casos, com
menores interesses em jogo, a partilha é geralmente tranquila e bem aceita.
Ainda assim, costuma surgir um chato que se considera injustiçado, reclamando
que outros foram mais bem aquinhoados.
Nos meios socioeconômicos, a coisa já muda de figura. O conflito de interesses
é comum entre seus participantes, nas horas de demarcar áreas de atuação e de
avaliar resultados. A ganância de uns sempre se confronta com a ambição de
outros.
Mas é no mundo político que tudo se complica, e muito!
No afã de se elegerem, os políticos fazem qualquer acordo ou negócio, com quem
quer que seja. Se bobear, até com o demônio! Por sua vez, também em busca de
vitória, seus partidos estabelecem alianças sustentadas em compromissos a serem
honrados, se o candidato da coligação for eleito.
No início, tudo parecia
legítimo e salutar. A proliferação das legendas, entretanto, converteu essas
confrarias em um imenso balcão de negócios, destinado a ganhar mais espaço nos
horários políticos da mídia, além de assegurar nomeações para cargos de
relevância em órgãos ou empresas públicas, afora outras benesses menos
ortodoxas.
Ao longo do tempo, essas
alianças têm sido determinantes na reversão de cenários políticos. Basta
recordar que, enquanto agiu sozinho, o PT jamais ganhou eleições. Para eleger
Lula, bastou se aliar a uma legenda de extrema direita, o Partido Liberal, do
já falecido senador José de Alencar. Da mesma forma, para colocar Dilma
Rousseff no Planalto, não precisou mais do que se unir ao PMDB. E se manteve no
poder, por longos 13 anos, graças a outras alianças esdrúxulas, que sempre se
mantiveram na base do “é dando que se recebe”.
Essa autêntica orgia política tornou-se corriqueira, tanto nas eleições
majoritárias, quanto nas proporcionais. Expõe o comportamento fisiologista de
legendas que se dispõem a apoiar qualquer chapa, independentemente de se
alinharem em torno de ideologias ou programas, com o único objetivo de obter
vantagens. Um pernicioso troca-troca de interesses, operado em clima de
explícita promiscuidade.
Tal fenômeno poderá complicar a vida dos vencedores das últimas eleições
municipais, em torno dos quais se uniu um amontoado de partidos que perderam o
rumo após a derrocada do PT. Em Valadares, por exemplo, nada menos de 24
legendas se juntaram para eleger o novo prefeito, André Merlo, fato inédito na
história política da cidade. Uns mais, outros menos, todos devem estar de olho,
quando nada, numa boa fatia do bolo que ajudaram a confeitar.
Há fortes indícios de que essas famigeradas coligações estejam com os dias
contados. Uma PEC que prevê o seu fim eleitoral, já aprovada pelo Senado,
depende apenas de ser referendada pela Câmara Federal.
Enquanto isso não acontece, é bom que os atuais e futuros administradores
públicos se conscientizem de que os tempos mudaram. Na atualidade, mais do que
antes, é preciso que eles consigam harmonizar o dividir com o multiplicar. É
fundamental que só repartam seus mandatos com auxiliares e parceiros eficazes,
eficientes, sérios e corretos, capazes de contribuir para a multiplicação de resultados.
Nada de se amarrar com amigos, parentes, apadrinhados e aliados oportunistas,
que só causam transtornos e aborrecimentos.
Trocando em miúdos,
compartilhar o poder, com prudência e sabedoria, é multiplicar as chances de
nunca compartilhar a cela. Uma arte, com certeza!
- Revista "Mais Mais PERFIL" - dezembro/2017
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