terça-feira, 30 de outubro de 2012

ÁGUA DA FUZARCA


            A contaminação da água do Rio Doce voltou a incomodar. O problema permanece insolúvel, e há indícios de que poderá repetir-se, indefinidamente.
Por mais que atestem a boa qualidade do produto, ninguém se dá por convencido. Até porque o odor e o sabor continuam diferentes e inaceitáveis, dificultando seu consumo e provocando justificadas preocupações em relação aos efeitos colaterais que dele poderão advir.
Na avaliação cotidiana, ora ela tem cheiro de gambá, ora de rato morto, ora de gambá que comeu rato morto; não há consenso.
Nos lares, hospitais, consultórios, restaurantes, bares, hotéis, escritórios, na Casa da Mãe Joana, onde quer que seja, a repulsa e o receio são constantes. 
 Quem tem alternativa não a bebe, não a utiliza no preparo de alimentos, no banho ou em outras formas de higiene pessoal, nem mesmo na lavagem de roupas. Os mais exagerados chegam a ponto de usar água mineral na limpeza de carros, temendo manchas na pintura. Isso apesar dos vários pronunciamentos oficiais, afirmando que, depois de tratado, o líquido não oferece risco à saúde.
O que importa, entretanto, é a opinião pública, a voz do povo. E ela está dividida entre os que imaginam ser a água imprópria para o consumo e os que têm absoluta certeza disso.
A corrente mais otimista entende que há exagero: os males não irão além de uma forte diarreia, acompanhada de vômitos, desidratação, dores de cabeça e febre convulsiva, tudo besteira. Doença mais grave só aconteceria após o décimo mês de consumo ininterrupto.   
Os pessimistas, entretanto, não têm dúvidas de que há risco de gastrite crônica, cálculos renais, doenças hepáticas, envolvimento na política, conversão evangélica, et cetera. Mas se animam quando ouvem dizer que, no caso de improváveis tumores, só o estômago, o pâncreas, o fígado, a consciência, a competência e algumas outras partes menos importantes seriam atingidas.
Reafirmando a velha crença popular, parece estar surgindo uma luz no fim do túnel, que não seria uma locomotiva em sentido contrário.
Depois de consultados até técnicos da Nasa, alguém sugeriu fosse uma amostra da água enviada ao Doutor Dráuzio Varella, o especialista em generalidades que, além de desvendar os mais intrincados mistérios, tem conseguido milagres do tipo livrar fumantes do vício ou fazer com que ativistas do GLS retornem ao armário.
O gênio global já teria emitido seu relatório, ainda guardado sob sete chaves. É que, segundo bisbilhoteiros fidedignos, o diagnóstico foi mais surpreendente do se imaginava. O líquido, como está, pode realmente comprometer algumas partes do organismo humano, mas não os órgãos sexuais.
Além disso, ajudaria no combate ao alcoolismo, o tabagismo e a obesidade, na medida em que descontrola o paladar e o olfato dos consumidores, inibindo o uso de bebidas, cigarros e alimentos.
Mas a grande revelação, motivo do sigilo em torno das conclusões do Doutor Varella, é que a água, nas condições em que se encontra, teria predicados afrodisíacos, com efeito em ambos os sexos.
A divulgação só aconteceria a partir do momento em que o abastecimento estivesse normalizado. De preferência na temporada de férias, quando todos estarão ávidos por aquecer a libido e turbinar o desempenho sexual. A essa altura, já estrategicamente estocada, a água enriquecida por cianobactérias seria lançada no mercado, em garrafas coincidentemente “azuis”. Tudo para salvar os carentes de tesão, garantir a satisfação de quem curte o prazer, e fazer a alegria de muitos vendedores.
Melhor que seja verdade!

Texto publicado na revista
"Mais Mais PERFIL Acontecimento"
Edição de Outubro/2012
 

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