sábado, 17 de novembro de 2012

QUESTÃO DE PREFERÊNCIA

    

           Num país onde o tapete costuma ser utilizado para encobrir erros, omissões e incompetências governamentais, chega a ser alentador o fato de alguma autoridade admitir deficiências de determinado setor público. Fica, quando nada, a ilusão de que, diagnosticada a conjuntura, medidas corretivas serão finalmente adotadas.
            Assim poderiam ser interpretadas as recentes declarações do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, no sentido de que "temos um sistema prisional medieval, que não só desrespeita os direitos humanos como também não possibilita a reinserção". Sem rodeios, afirmou: "se fosse para cumprir muitos anos na prisão, em alguns dos nossos presídios, eu preferiria morrer".
            Retratando uma dura e antiga realidade, o pronunciamento de Cardozo teve grande repercussão. Estranhou-se, entretanto, sua coincidência com o momento em que vários políticos e empresários brasileiros estão sendo julgados e condenados a longas penas, por graves delitos cometidos.
            No Supremo Tribunal Federal (STF), onde o assunto provocou controvérsias, o ministro Gilmar Mendes, com ar crítico, disse louvar as palavras do ministro da Justiça, mas lamentou  “que ele tenha falado isso agora, porque esse é um problema desde sempre”.
Na mesma Corte, o oportunista ministro Dias Toffoli se apegou à tese, para defender que os réus do “mensalão” recebam multas maiores e menor tempo de prisão. A seu ver, eles apenas cometeram desvios com intuito financeiro, sem atentar contra a democracia. “Era o vil metal. Que se pague com o vil metal”, argumentou.
            Daí por que muitos enxergam no pronunciamento de Cardozo uma descabida – mas nem por isso descartada – preparação de terreno para melhor hospedar os “cumpanheiros” que estão a caminho do xadrez. Ainda bem que, nesse caso, bateria de frente com o implacável ministro Joaquim Barbosa, relator do processo, para quem os “mensaleiros” não terão direito a prisão especial, regalia a que só faz jus quem esteja cumprindo prisão provisória.
            Afora isso, ao dizer que preferiria morrer a ficar preso por anos, o ministro estaria dando a entender que, para os criminosos, melhor seria trocar tiros com a polícia, até a morte, do que se submeter às agruras do cárcere prolongado.
            Sem falar na possibilidade de estar estimulando revoltas em prisões de todo o país, promovidas por prisioneiros que se sentirão injustiçados e no direito de cobrar melhores condições para cumprir suas penas.
            Pelo visto, Cardozo perdeu uma boa oportunidade de ficar calado.
            Melhor teria sido ele visitar hospitais públicos, escolas oficiais e rodovias nacionais, para ver que superlotação, precariedade, degradação, insegurança, abandono e outros absurdos não são privilégios dos presídios. A diferença é que a maioria dos brasileiros que ali sofrem e até morrem não têm escolha e são de boa índole.
            Certamente, Sua Excelência mudaria o discurso, para dizer aos contraventores que, a morrer ou ser confinado no presídio, é preferível respeitar a lei. Bem mais sensato!

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