domingo, 21 de abril de 2013

IRONIA DAS DATAS

            A extensa agenda comemorativa brasileira aproxima três importantes datas: o Dia de Tiradentes, o aniversário de Brasília, e o Dia do Descobrimento, celebrados entre hoje e amanhã.
            Essa aglutinação resulta irônica, ao sugerir que o Brasil chore a morte de seu principal herói, ao mesmo tempo em que festeja o nascimento de sua capital, na véspera de celebrar sua descoberta.
            Antes comemoradas em alto estilo e com grande entusiasmo, estão perdendo o magnetismo, enfrentam gradativo esquecimento.
            Se os festejos alusivos à fundação da Capital federal permanecem despertando interesse de boa parte da população brasiliense, isso mais se deve aos espetáculos populares, estrelados por desportistas, bandas e artistas famosos incluídos na programação. Os demais eventos, em especial os de natureza cívica, são prestigiados quase só por autoridades e convidados obrigados a marcar presença. A explicação estaria no fato de Brasília, mesmo permanecendo bela e exuberante, haver perdido parte de seu charme e poder de sedução, graças aos repetidos escândalos de que tem sido palco. Além disso, ostentando crescimento muito acima do imaginado por JK, a cidade completa hoje 53 anos, com problemas de metrópoles centenárias, dificultando a mobilidade e desestimulando maior envolvimento comunitário.
O Dia de Tiradentes, um dos mais importantes feriados nacionais, ainda resiste bravamente à queda de prestígio, entrincheirado na Terra das Alterosas, berço de Joaquim José da Silva Xavier. Os mineiros não economizam homenagens ao Mártir da Independência. No restante do país, entretanto, não se nota a mobilização de outras épocas, haja vista a melancolia com que a data vem transcorrendo.
            E a situação tende a se agravar, caso evolua a inusitada história de que Tiradentes seria uma farsa produzida pelos Inconfidentes. Segundo versões que circulam na internet, uma delas atribuída ao jornalista Guilhobel Aurélio Camargo, nosso grande herói teria terceirizado seu enforcamento e se mandado para a França, onde depois seria visto mais de pé que a Torre Eifel. Em troca de ajuda financeira à sua família, o carpinteiro Isidro Gouveia, um ladrão condenado à morte, teria assumido a identidade de Tiradentes, para, com o rosto encoberto, ser executado em lugar do alferes.
            Já a façanha atribuída a Pedro Álvares Cabral ruma célere para a galeria dos grandes acontecimentos irrelevantes. Foi preterida até pela terça-feira de Carnaval, que tem status de feriado.
Pouco se fala do dia em que os navegantes portugueses encontraram a Terra de Vera Cruz. Quando muito, gozadores de plantão fazem piadas e chacotas com o descobrimento. Uma delas conta que, em certo momento, um olheiro da caravela portuguesa gritou que avistava um grande monte. E Cabral teria perguntado: - De quê?! Era o Monte Pascoal!!!
            Há muitas explicações para a amnésia cívica que ameaça a nação. A mais plausível repousa no quanto as farsas contemporâneas podem ofuscar ou colocar em dúvida os registros históricos. O presente que inibe confiança no futuro incita descrença no passado.
            Ainda bem que o Dia do Descobrimento coincide com o Dia da Mandioca. E o brasileiro é chegado a uma mandioca – a amarelinha, macia e, de preferência, com carne de sol e cerveja gelada. É a garantia de que o achado de Cabral continuará sendo comemorado, pelo menos nos bares da vida.

* Jornal de Domingo (21 a 27.04.2013)
* Diário do Rio Doce (21.04.2013)

 

 

 

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