quarta-feira, 11 de abril de 2012

CRISTO DIVIDIDO

            A confiança em que Deus é brasileiro é uma quase unanimidade nacional. Poucos duvidam que o Menino Jesus tenha nascido em berço verde-amarelo. Mas ninguém sabe ao certo como se chegou a essa conclusão.
            Alguns dizem que foi com base em um provérbio português. Outros imaginam que partiu de frase cunhada por um locutor esportivo, na Copa de 1970. Até filme existe sobre o tema.
O caso é que a crença vem de longa data e se mostra cada vez mais arraigada.
            Apenas essa afinidade pode justificar o fato de o Brasil ainda não haver sucumbido perante os descalabros que o assolam.
A desenfreada corrupção, o fisiologismo político, a impunidade, os privilégios espúrios, a perversa concentração de rendas e os desníveis sociais são males que não seriam suportados sem a especial ajuda divina.
Só ela explicaria, também, por que o país ainda sobrevive com a sua extorsiva carga tributária, um Congresso que funciona na base do troca-troca e um governo que já substituiu dez ministros, em apenas quatorze meses.
Mas Deus é “dos nossos” e para Ele tudo é possível. O barco vai em frente, vencendo tormentas e vendavais.
Enquanto a nacionalidade do Mestre é consenso entre os brasileiros, sua naturalidade tem provocado controvérsia.
Os pernambucanos, por exemplo, acreditam sem reservas que ele seja coestaduano.  De lá, rumou para São Bernardo do Campo, transformando-se num habilidoso metalúrgico. Acabou trocando o chapéu de vaqueiro nordestino pela faixa presidencial. No poder, não fez grandes milagres. Também não guardou mágoas das maracutáias que então foram cometidas; não viu, nem se lembra de nada.
Na Bahia, devotos do Senhor do Bonfim creem cegamente que o Salvador e o falecido avô do deputado ACM Neto sejam as mesmas pessoas. Os simpatizantes de Toninho Malvadeza não poderiam pensar de outra forma.
Já os cariocas alardeiam que, para ver o Todo Poderoso, os Reis Magos embarcaram no bondinho do Pão de Açúcar. Equivocaram-se, pois a manjedoura estava no alto do Corcovado. Seus camelos quase não chegaram até lá.
A empáfia paulista faz presumir que, na terra da garoa, argumentos são desnecessários. Todos estão convencidos de que Deus fala arrastado, é membro da Fiesp e torce pro Corinthians.
Mais realista, o gaúcho sabe que Cristo não é conterrâneo. Mas, de bombachas e sabre na mão, garante que, se entrincheirado no Rio Grande do Sul, Ele jamais teria sido crucificado; embora pudesse ser condenado a servir à Seleção do Mano Menezes.
Presa ao velho “talvez acho que não sei, mas é provável que não tenho certeza”, Minas se reserva em relação ao assunto. Tende a aceitar, porém não garante que Cristo e Tiradentes tenham sido embalados em um só berço, mesmo em distintas épocas. A incerteza fica por conta do perfil político de cada um. Enquanto o Filho de Deus abomina paredões, o mineiro é chegado a um muro. Coincidentemente, ambos adoram pão de queijo.       
Sob efeito dos muitos escândalos que tem sediado, Brasília aguarda o momento oportuno pra atiçar a polêmica. Sabe que, agora, Cristo recusaria até título de Cidadão Honorário de cidade satélite. Confia, entretanto, em que JK esteja sentado à direita de Deus Pai, donde há de vir no terceiro milênio, pra julgar os vivos e os mortos. Entre eles José Sarney, que, pelo visto, ainda estará na ativa, curtindo mais um mandato.
A discussão é boa e projeta vida longa.
Enquanto isso, Cristo permanecerá dividido entre os muitos que disputam a primazia de sua conterraneidade.
Nesse puxa pra cá, empurra pra lá, vale refletir sobre as palavras do já saudoso Millôr Fernandes: "Está bem, Deus é brasileiro. Mas pra defender o Brasil de tanta corrupção só colocando Deus no gol".
Pena que o genial humorista tenha partido sem a chance aplaudir as milagrosas intervenções a que o goleiro seria obrigado!

Texto publicado na revista
"Mais Mais PERFIL Jovem"
Edição de abril/2012

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