Em
“Votar”, memorável artigo publicado na “O Cruzeiro” de janeiro/1947, ela
ministrou verdadeira aula aos eleitores brasileiros.
Começou
realçando a importância da expressão “governo do povo”, que deve ser tomada no
seu sentido mais literal, “porque, numa democracia, o ato de votar representa o
ato de fazer o governo”.
Na
sequência, advertiu que “pelo voto não se serve a um amigo, não se combate um
inimigo, não se presta ato de obediência a um chefe, não se satisfaz uma
simpatia. Pelo voto a gente escolhe, de maneira definitiva e irrecorrível, o
indivíduo ou grupo de indivíduos que nos vão governar por determinado prazo de
tempo”.
Em
linguagem simples e didática, apontou quem são os escolhidos através do voto,
alertando para os poderes de que eles se investirão.
Lembrou
“aqueles que nos vão cobrar impostos e, pior, aqueles que irão estipular a
quantidade desses impostos”. E complementou: “Vejam como é grave a escolha
desses cobradores. Uma vez lá em cima podem nos arrastar à penúria, nos chupar
a última gota de sangue do corpo, nos arrancar o último vintém do bolso”.
Noutra
reflexão, fez ver que “pelo voto escolhem-se não só aqueles que vão receber,
guardar e gerir a fazenda pública, mas também aqueles que vão ‘fabricar’ o
dinheiro”. Considerou ser essa uma das missões mais delicadas que os votantes
confiam aos seus escolhidos, “pois, se a função emissora cai em mãos
desonestas, é o mesmo que ficar o país entregue a uma quadrilha de falsários. Eles
desandam a emitir, sem conta nem limite, o dinheiro se multiplica tanto que
vira papel sujo, e o que ontem valia mil, hoje não vale mais (que) zero”.
Sob
esses e outros exemplos, sugeriu que “quando vocês forem levianamente levar um
voto para o Sr. Fulaninho que lhes fez um favor, ou para o Sr. Sicrano que tem
tanta vontade de ser governador, coitadinho, ou para Beltrano que, tão amável,
parou o automóvel, lhes deu uma carona e depois solicitou o seu sufrágio –
lembrem-se de que não vão proporcionar a esses sujeitos um simples emprego bem
remunerado. Vão lhes entregar um poder enorme e temeroso; vão fazê-los reis;
vão lhes dar soldados para eles comandarem – e soldados são homens cuja
principal virtude é a cega obediência às ordens dos chefes que lhes dá o povo”.
Por
isso, Rachel aconselha aos votantes: “Escolham com calma, pesem e meçam os
candidatos, com muito mais paciência e desconfiança do que se estivessem
escolhendo uma noiva. Porque, afinal, a mulher, quando é ruim, dá-se uma surra,
devolve-se ao pai, pede-se desquite. E o governo, quando é ruim, ele é que nos
dá a surra, ele é que nos põe na rua, tira o último pedaço de pão da boca dos
nossos filhos e nos faz apodrecer na cadeia”.
A
brilhante escritora arriscou uma sugestão final: “se você estiver comprometido
a votar com alguém, se sofrer pressão de algum poderoso para sufragar este ou
aquele candidato, não se preocupe. Não se prenda infantilmente a uma promessa
arrancada à sua pobreza, à sua dependência ou à sua timidez. Lembre-se de que o
voto é secreto”.
E
arrematou: “Se o obrigam a prometer, prometa. Se tem medo de dizer não, diga
sim. O crime não é seu, mas de quem tenta violar a sua livre escolha. Se, do
lado de fora da seção eleitoral, você depende e tem medo, não se esqueça de que
dentro da cabine indevassável você é um homem livre. Falte com a palavra dada à
força, e escute apenas a sua consciência. Palavras o vento leva, mas a
consciência não muda nunca, acompanha a gente até o inferno”.
O
texto foi escrito há 67 anos, mas a sabedoria de Rachel é duradoura; vale pra
qualquer época!
- Jornal de Domingo
- Diário do Rio Doce
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