quinta-feira, 14 de setembro de 2017

FUNDO SEM FUNDO

Por Etelmar Loureiro

            Não bastasse o desgaste a que têm sido expostos, fazendo “mágicas” para segurar a barra do Executivo, os deputados federais estão em apuros para aprovar duas propostas de reforma política que se acham sob sua apreciação.  Não está fácil! Primeiro, porque precisam passar a idéia de que estão empenhados em um trabalho sério, isento de corporativismos e voltado exclusivamente para os interesses do povo. Depois, porque, na medida do possível, o resultado desse trabalho não deve acarretar prejuízos aos grandes partidos, nem colocar em risco a preservação das dinastias que sempre dominaram a política nacional. Em outras palavras, precisam fazer uma omelete, sem quebrar os ovos. Como agravante, para que as mudanças possam valer nas eleições do ano que vem, deverão ser aprovadas por no mínimo dois terços dos deputados, em dois turnos, e obter o aval do Senado, até o início do mês que vem.
            No bojo dessas reformas, um dos pontos mais polêmicos é a formação de um bilionário Fundo sem fundo, destinado a bancar as campanhas políticas. Nos termos propostos, ele absorveria 0,5% da receita corrente líquida do governo em 12 meses, o que, em 2018, seria algo em torno de R$ 3,6 bilhões. Dessa forma, o Brasil passaria a dar dupla assistência financeira a seus partidos: a regular, representada pelo já existente Fundo Partidário constitucional, e a do apelidado “Fundão”, que se quer aprovar.
            Sob pressão popular, os deputados optaram por manter essa ajuda no texto da PEC em discussão, mas sem definir parâmetros. O valor dos recursos públicos destinados a campanhas seria arbitrado pelo Congresso, na proposta orçamentária do ano anterior ao da eleição.
            O Fundo segue flutuando, mas precisa ser “afundado”.
            Da forma indecorosa como tem procedido, cometendo e convalidando erros que prejudicam e afrontam toda a nação, a maioria dos nossos políticos não está merecendo nem uma mínima parte dos muitos benefícios que já recebe.
            No Brasil, a política há muito se tornou uma concorrida e regiamente remunerada profissão. Os que nela conseguem ingressar, além de altos salários, são contemplados com apartamento funcional ou auxílio moradia, plano de saúde, passagens aéreas, verbas para contratar dezenas de apadrinhados, e as muitas outras regalias que todos conhecem. Nada mais justo, pois, que também arquem com os gastos exigidos para se chegar a essa condição, como fazem o médico, o engenheiro, o advogado, o dentista e tantos outros profissionais.  O ingresso na carreira política é opcional. Para fazê-lo, além da vocação, é importante conscientizar-se de que “quem não tem competência, não se estabelece”.
            Sob esse raciocínio, a ajuda financeira para as campanhas políticas deveria vir de um fundo constituído pelos próprios políticos e seus partidos, mediante desconto de determinado percentual do elevado montante que recebem. Mais do que isso, só a contribuição voluntária, delimitada e rigorosamente controlada dos correligionários. Trocando em miúdos, a ascensão à carreira política aconteceria sob um justo processo de retroalimentação, em que os que já chegaram ajudariam os que querem chegar, sem sacrificar o cidadão, eterno contribuinte, que nada tem a ver com o processo. Disso resultaria um cenário político bem mais enxuto, equilibrado e autêntico, quem sabe menos ilegítimo e desonesto, pois seus protagonistas, sentindo no bolso o preço do mandato, seriam mais responsáveis e éticos no modo de exercê-lo. Nesse novo contexto, a sociedade, sem a obrigação bancar interesses alheios, talvez pudesse devolver aos políticos o respeito e o apreço com que sonham, ou dizem sonhar, mesmo nada fazendo para merecê-los nos dias atuais. A ilusão ainda é livre, e isenta de imposto.


- Diário do Rio Doce – 14.09.2017

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