Por
Etelmar Loureiro
Certos debates, alguns polêmicos e palpitantes, são episódicos. Abrem-se apenas
diante das tragédias que os tiram do esquecimento. Parece até que só existem
para iludir a opinião pública e tentar explicar o inexplicável. A matança recentemente acontecida em Las Vegas confirma essa tese. Um atirador solitário
executou o maior ataque a tiros da história dos Estados Unidos. A ação rendeu
59 mortos, inclusive o seu responsável, que se matou em seguida, e mais de 500
feridos. Aconteceu durante um festival de música country, assistido por cerca
de 22 mil pessoas. No local de onde foram feitos os disparos, a polícia
encontrou um verdadeiro arsenal de armas e munições. O autor do massacre,
Stephen Paddock, 64 anos, era um inveterado jogador de pôquer, que, segundo as
investigações, se tratava à base de ansiolíticos.
Além de provocar uma grande comoção nacional, o atentado reabriu o debate sobre
o controle de armas nos EUA. O mesmo tema que já provocou intensas e
infrutíferas discussões, quando de anteriores tragédias do gênero, tão
recorrentes naquele país. Mas não é fácil chegar a um consenso sobre o
assunto. Pra começar, a posse de armas é um direito que a chamada segunda
emenda à Constituição assegura a todos os estadunidenses. As pesquisas revelam
que a maioria deles acredita ser mais importante resguardar do que limitar essa
prerrogativa. Mostram também que mais da metade da população se sente mais protegida com um revólver em casa. Dois terços dos norte-americanos são contra o controle das armas. Há ainda o lado político da
questão, já que o Republicano, partido do hoje presidente Donald Trump, tem sido
majoritário na rejeição a qualquer medida tendente a mudar as regras atuais.
Na consciência ianque – que nesse ponto não difere muito das demais –, parece
que o problema não é preponderantemente o revólver, o fuzil ou a metralhadora,
mas a mente criminosa do indivíduo que aciona o gatilho. Quem quer assassinar
não depende só desses artefatos. O mundo dispõe de armas químicas, explosivos,
veículos motorizados, homens-bombas, combustíveis e outros recursos igualmente
letais. Basta lembrar o atropelamento em massa acontecido em Barcelona, em
agosto passado, quando uma van, dirigida por um terrorista marroquino, foi
lançada sobre centenas de pessoas, deixando vários mortos e feridos. Outro
exemplo é a tragédia que acaba de ocorrer na cidade mineira de Janaúba, onde o
vigilante noturno de uma creche, utilizando-se de gasolina, ateou fogo em si
mesmo, em uma professora e em várias crianças, causando mais de uma dezena de
mortes. Em ambos os casos, não houve uso de armas de fogo, sequer de uma
cartucheira.
Verdade é que, se servem para tirar vidas, essas armas são
também um válido e necessário instrumento de defesa. Em mãos equilibradas, elas
contribuem para que os bandidos não se sintam tão à vontade para assaltar
pessoas, residências, estabelecimentos comerciais, motoristas e passageiros,
pois sabem que poderão ser confrontados à altura.
O modo como os norte-americanos encaram o problema pode ter seus
pontos negativos. Afinal, dificilmente há algum estilo de conduta isento de
falhas. Mas é inegável ele repercute em todo o mundo, especialmente em países
como o Brasil, onde vigora um Estatuto do Desarmamento dos mais rigorosos,
mesmo contra a vontade popular
Nos dias atuais, diante da violência urbana que tanto aflige as
pessoas de bem, impõe-se, quando nada, uma reflexão sobre a necessidade de flexibilizar a legislação que trata do assunto. Não é possível assistir a um
cenário onde os bandidos se mostram cada vez mais bem armados, enquanto a
sociedade, sob a égide de leis fora de contexto, se sente cada vez mais
oprimida. Se a vida é um direito fundamental, o Estado não pode impedir ela
seja defendida.
- Diário do Rio Doce - 12.07.2017
- Diário do Rio Doce - 12.07.2017
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