quinta-feira, 12 de outubro de 2017

O DESARMAMENTO NO BANCO DOS RÉUS

Por Etelmar Loureiro

            Certos debates, alguns polêmicos e palpitantes, são episódicos. Abrem-se apenas diante das tragédias que os tiram do esquecimento. Parece até que só existem para iludir a opinião pública e tentar explicar o inexplicável. A matança recentemente acontecida em Las Vegas confirma essa tese. Um atirador solitário executou o maior ataque a tiros da história dos Estados Unidos. A ação rendeu 59 mortos, inclusive o seu responsável, que se matou em seguida, e mais de 500 feridos. Aconteceu durante um festival de música country, assistido por cerca de 22 mil pessoas. No local de onde foram feitos os disparos, a polícia encontrou um verdadeiro arsenal de armas e munições. O autor do massacre, Stephen Paddock, 64 anos, era um inveterado jogador de pôquer, que, segundo as investigações, se tratava à base de ansiolíticos.
            Além de provocar uma grande comoção nacional, o atentado reabriu o debate sobre o controle de armas nos EUA.  O mesmo tema que já provocou intensas e infrutíferas discussões, quando de anteriores tragédias do gênero, tão recorrentes naquele país. Mas não é fácil chegar a um consenso sobre o assunto. Pra começar, a posse de armas é um direito que a chamada segunda emenda à Constituição assegura a todos os estadunidenses. As pesquisas revelam que a maioria deles acredita ser mais importante resguardar do que limitar essa prerrogativa. Mostram também que mais da metade da população se sente mais protegida com um revólver em casa. Dois terços dos norte-americanos são contra o controle das armas. Há ainda o lado político da questão, já que o Republicano, partido do hoje presidente Donald Trump, tem sido majoritário na rejeição a qualquer medida tendente a mudar as regras atuais.
            Na consciência ianque – que nesse ponto não difere muito das demais –, parece que o problema não é preponderantemente o revólver, o fuzil ou a metralhadora, mas a mente criminosa do indivíduo que aciona o gatilho. Quem quer assassinar não depende só desses artefatos. O mundo dispõe de armas químicas, explosivos, veículos motorizados, homens-bombas, combustíveis e outros recursos igualmente letais. Basta lembrar o atropelamento em massa acontecido em Barcelona, em agosto passado, quando uma van, dirigida por um terrorista marroquino, foi lançada sobre centenas de pessoas, deixando vários mortos e feridos. Outro exemplo é a tragédia que acaba de ocorrer na cidade mineira de Janaúba, onde o vigilante noturno de uma creche, utilizando-se de gasolina, ateou fogo em si mesmo, em uma professora e em várias crianças, causando mais de uma dezena de mortes. Em ambos os casos, não houve uso de armas de fogo, sequer de uma cartucheira.
Verdade é que, se servem para tirar vidas, essas armas são também um válido e necessário instrumento de defesa. Em mãos equilibradas, elas contribuem para que os bandidos não se sintam tão à vontade para assaltar pessoas, residências, estabelecimentos comerciais, motoristas e passageiros, pois sabem que poderão ser confrontados à altura.
O modo como os norte-americanos encaram o problema pode ter seus pontos negativos. Afinal, dificilmente há algum estilo de conduta isento de falhas. Mas é inegável ele repercute em todo o mundo, especialmente em países como o Brasil, onde vigora um Estatuto do Desarmamento dos mais rigorosos, mesmo contra a vontade popular

Nos dias atuais, diante da violência urbana que tanto aflige as pessoas de bem, impõe-se, quando nada, uma reflexão sobre a necessidade de flexibilizar a legislação que trata do assunto. Não é possível assistir a um cenário onde os bandidos se mostram cada vez mais bem armados, enquanto a sociedade, sob a égide de leis fora de contexto, se sente cada vez mais oprimida. Se a vida é um direito fundamental, o Estado não pode impedir ela seja defendida.

- Diário do Rio Doce - 12.07.2017 

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