Por Etelmar Loureiro
- Diário do Rio Doce - 07.06.2018
A
história não produz nem escolhe fatos ou personagens - ela apenas os registra. Grandes
ou pequenos acontecimentos, artistas ou bandidos, gênios ou abestados, santos
ou demônios, autênticos ou charlatães, tudo e todos nela têm seu lugar.
É um retrato nu e cru
daquilo que narra. Em nome da autenticidade, rejeita photoshop; nada de edições, retoques ou contas de chegar. Diversamente
dos romances, não tem compromisso com aparências, cenários ou finais felizes,
tampouco se vincula a tradições, previsões, horóscopos ou superstições.
Mas
nem sempre é assim.
Não
raro, um mesmo fato ou personagem costumam comportar mais de um enfoque. Tudo
depende do contexto em que os anais são produzidos e, sobretudo, da visão, da
imparcialidade e da autonomia do historiador. Nos casos que abrangem política e
questões de Estado, quase sempre movidos por interesses conflitantes, é onde as
verdades mais se divergem. No interesse das partes, as narrativas são
distorcidas, transformando vitórias em derrotas, heróis em vilões, e
vice-versa, cada um puxando a brasa para sua sardinha.
A
intervenção militar ocorrida no Brasil, em 1964, que durou 21 anos, é um exemplo.
Sobre ela, a versão oficial é inteiramente contrária à apresentada pelos
opositores. Figuras como João Goulart, Leonel Brizola, Carlos Lacerda, Castelo
Branco, Costa e Silva, Emílio Médici, Ernesto Geisel, João Figueiredo e outros
envolvidos nos acontecimentos, inclusive o ex-presidente Juscelino Kubitschek, tanto
são exaltadas quanto abominadas por suas ações, dependendo de onde venha e de quem
faça o julgamento.
Dinâmica por
natureza, a história se renova, à medida que o passado se atualiza. Dia após
dia novos capítulos são escritos, acrescentando novidades, revendo conceitos,
corrigindo erros, restabelecendo verdades, ou fazendo justiça.
Essa
metamorfose é bem nítida no caso de Luiz Inácio Lula da Silva. De humilde
metalúrgico, chegou à Presidência da República, onde se consagrou graças a seu
inegável carisma. Ao longo dessa trajetória, porém, pôs tudo a perder,
aliando-se a pilantras e oportunistas que o levaram para o buraco. Hoje amarga
a solidão de uma carceragem, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. Mas,
se de lá sair a tempo e em condições de disputar o pleito deste ano, tem chance
de retornar ao Palácio do Planalto, mesmo que isso represente um paradoxo. Em
síntese, tudo o que se escreve sobre ele tende a ser provisório; sua biografia ainda
estaria longe do epílogo.
Outra
impressionante mudança biográfica aconteceu com o senador Aécio Neves. Há pouco
tempo, ele era o político mais proeminente do PSDB, uma espécie de cereja do
bolo tucano, virtual vencedor da próxima corrida presidencial. Processado por
trapalhadas que não consegue explicar, caiu em desgraça, e até mesmo os
companheiros de partido querem dele se distanciar.
A corrupção que
assola o país é outro fator responsável por modificações de cenário. Enquanto desmistificam alguns, os
desdobramentos do mensalão e da Lava Jato têm entronizado fatos e indivíduos
antes desconhecidos. É o caso do juiz
Sérgio Moro, que rapidamente deixou a obscuridade para garantir espaço na
história, graças à forma determinada, competente e corajosa como tem se
comportado no exercício de sua função.
Tais
revertérios mostram que a história é sempre repaginada, a ponto de tornar
efêmeros julgamentos e conceitos de toda sorte. O segredo para preservar o statu quo é não se deixar seduzir pelos
elogios e aplausos. O que nem todos conseguem!
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